Sábado de sol, dia de acordar mais tarde (leia-se: 08h30, nada como 10h40 nas épocas de sem-filhos) e.... levar as crianças para tomar vacina.
Nestes dias, eu me sinto um verdadeiro traidor: quando criança, o lugar que mais detestava era o posto de vacinação. Aquilo simbolizava para mim a dor, a agonia da espera na fila para ser furado e a frustração de ter os nossos próprios pais como comparsas da máquina cruel do Estado criada para aterrorizar os recém-chegados ao mundo. Agora, eu me tornara um comparsa do Sistema.
Se bem que neste dia o sofrimento não seria tanto, pois era dia apenas do Zé Gotinha, sem vacinas injetáveis. Tive que explicar isto cinquenta vezes da saída de casa até a chegada ao posto. (A propósito, lembro perfeitamente do dia em que o Governo fez uma campanha para as crianças sugerirem o nome do mascote da vacinação infantil. Meu Deus, estou ficando realmente velho...)
Dia de vacinação me lembra também oportunismo. Aqueles caras que ficam vendendo balão na saída do posto te pegam de guarda baixa. Como negar um balão superfaturado para um filho que chora de dor por sua culpa?
Desta vez, a milha filha escolheu um balão de um gatinho e ela realmente gostou dele. Ao invés de brincar apenas alguns minutos e esquecer ele depois no teto da sala para sempre, ela brincou com ele o dia todo. Seria um final feliz se não fosse um descuido meu ao sair de carro e deixar o vidro entreaberto: o fio do balão se partiu com o vento e o balão fugiu pela janela, deixando na outra ponta do fio uma menina que berrou durante muitos, muitos, mas muitos minutos a perda do recém-adquirido animal de estimação voador. Dormiu de tanto chorar. E continuou horas depois, quando acordou. Se o posto estivesse aberto, juro que voltava lá para comprar outro. Mas não estava.
Conversei seriamente com ela:
-- Filha, você sabe o que é esperança?
-- Não!.... Gritou ela.
-- Esperança, é quando apesar de não sabermos se alguma coisa vai dar certo, acreditamos muito que sim. Quem sabe um dia você reencontra com seu balão voando por aí? Já pensou, que legal se encontrar com ele?!
-- Não tem como! -- disse ela, enxugando as lágrimas. Quando o balão vai embora, a gente não vê ele mais.
-- Pode ser... não sabemos como fazê-lo voltar, né? Mas isto não é impossível, certo?
-- É... não...
-- Então, isto é esperança. Devemos trabalhar duro para conquistarmos o que queremos. Se isto não for possível, ainda nos resta a esperança. Chorar o perdido, não nos fará bem.
Talvez pela estória, talvez por já ter cansado de chorar, ela esqueceu do assunto e voltou a atenção a outras brincadeiras. Fiquei feliz por ter conseguido contornar a situação de alguma maneira.
No outro dia, logo de manhã ao acordar, ela foi na sala e voltou correndo no escritório me gritando:
-- Papai, papai, corre, vem ver!
Ao ser arrastado até a sala, avistei pela porta que dá para a varanda o balão dela grudado no teto, com o fio enroscado nas plantas da varanda. Ele tinha voltado!
A felicidade foi geral. Ela não se agüentava de alegria. Então ela me disse, depois de acalmar:
-- Papai, isto foi esperança!!
-- Não, filha -- disse eu. Esperança é o que devemos ter para acontecer o que ocorreu agora: um milagre.
Por vezes, no balão de nossas vidas, esquecemos de nos apoiar um pouco na esperança quando algo está fora do nosso controle. Por outras, depositamos nela algo que compete a nós mesmos realizar. A sabedoria é distinguir bem uma situação da outra.
Tocando neste assunto...
Será que faz diferença se fui eu quem voltei lá no posto antes que ela acordasse para comprar outro igualzinho ou se o balão apareceu lá trazido quilômetros de distância por ventos caóticos? Creio que o importante seja que o milagre, atribuído a razão que for, existe e opera em nossas vidas de maneiras imprevisíveis. Quando se menos espera, o nosso balão é empurrado para a varanda que mais queríamos. Basta ter esperança.
quinta-feira, 5 de julho de 2012
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