quinta-feira, 8 de setembro de 2011

De mudança

Mudar de endereço é igual a ligar para serviço de atendimento ao consumidor: chato para burro, mas a vida às vezes toma um rumo onde isto torna-se inevitável. Na minha última mudança, por exemplo, morávamos em um apartamento de um quarto e a nossa filha estava para nascer. Não teve, portanto, como evitar (eu me refiro à mudança). Depois de encontrado um novo apartamento e todos os detalhes acertados, faltava apenas marcar um caminhão de mudança. 

Havia um caminhão que sempre ficava parado numa esquina perto de onde morava. Liguei para o telefone estampado na carroceria e me atende o seu Antenor. Ele prontamente agendou para o dia seguinte aparecer lá em casa e fazer um orçamento.

O seu Antenor era uma figura curiosa. Baixinho, nem magro nem forte, semi-calvo (ou semi-cabeludo, se você for um otimista), óculos fundo de garrafa, cheio de prosa. Assim que teve oportunidade (entenda-se: assim que me encontrou), foi tratando de dizer em quantas transportadoras de grande porte ele já havia trabalhado e de como juntou o dinheiro para comprar o caminhão e fazer o serviço por conta própria. Depois de alguma conversa, ele fez o orçamento e marcamos um dia. Apesar do seu Antenor já ter me inspirado confiança o suficiente para não achar mais necessário, resolvi prosseguir com o que eu havia planejado:

-- Então, seu Antenor, no dia traga por favor este contrato assinado, apenas para formalizar a prestação do serviço... -- disse-lhe, entregando um contrato de duas folhas que copiei e imprimi da Internet.

Sou descendente de mineiro e, como todo bom mineiro, desconfiança e pão de queijo fazem parte do meu dia-a-dia. O que eu não contava era que o seu Antenor era ainda mais cabreiro.

Dois dias depois, o seu Antenor me liga. Disse que esta estória de contrato era novidade -- onde já se viu, desconfiarem de sua pessoa? Se eu queria as coisas daquela forma, que ligasse para a Granero ou a Gato Preto. Disse isso como quem realmente ficou ofendido por aquele pedaço de papel pedindo para colocar o RG e assinar na linha pontilhada. Como eu tive uma simpatia pela pessoa do seu Antenor, me arrependi imediatamente e tentei persuadi-lo a continuar com o combinado. Depois de concordar que ele podia rasgar o contrato, ele finalmente aceitou. Antes de desligar, ainda me avisou que se os pratos e copos quebrassem durante o transporte, era porque eu não os teria embalado colocando folhas de jornal entre um e outro.

No dia da mudança, o seu Antenor aparece lá com a equipe dele. Está com uma cara de quem vai num duelo ou algo assim. Sem nenhum sorriso, nem uma brincadeira, bem diferente do nosso primeiro encontro. A fisionomia é de concentração e seriedade totais.

Durante trabalho de carregar o caminhão, começo a conversar com um funcionário dele que ficou alocado de retirar os móveis da casa e colocar no corredor. Após um tempo de conversa, percebo que não só o seu Antenor mas a equipe dele toda eram superbacanas. Isto me deu tranqüilidade o bastante para achar que o serviço seria muito bem prestado. Depois de um tempo, o funcionário dele me confidencia:

-- Rapaz, hoje quando paramos o caminhão aqui em frente, o Antenor pediu a palavra e avisou a todos: "Hoje quero atenção total na mudança. Cuidado com cada canto de parede, cada espelho e vidro da mudança, cada colocação de caixa no chão. O cliente de hoje é super exigente. Ele não vai perdoar uma falha!"

Só aí percebi quão profundamente preocupei o seu Antenor com aquele papo de contrato. Ao deixarmos o apartamento antigo rumo ao novo, ele trancou o caminhão e me deu a chave na mão. Em tom solene, avisou que aquela chave não tinha cópias e que, portanto, o caminhão só seria aberto agora no destino final com todos presentes -- que, a propósito, era há cinco quadras dali.

A retirada dos móveis e a colocação no novo apartamento foram impecáveis. O serviço foi muito bem feito e a um ótimo preço. No final, agradeci o seu Antenor pelo trabalho e disse que certamente recomendaria o seu serviço. Ele saiu de lá com uma cara de missão cumprida.

Assinatura em papel pode até ser necessário. Mas o importante mesmo é ter honra. Este é o lema do seu Antenor.

Tocando neste assunto...

Dias depois, toca a campainha. É o seu Antenor. Quer verificar se uns parafusos que ficaram no caminhão são meus. Não são. Ele me diz que fez outras duas mudanças e que não vai descansar enquanto não achar o dono.

Está bom, seu Antenor, não precisa tripudiar!

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