quarta-feira, 22 de maio de 2013

O cheque sumiu!

Já deve ter lhe acontecido alguma vez: você jura que deixou aquilo que procura em cima da mesa. Todo mundo diz que não viu. Você esbraveja: "Quem pegou?" "Não é possível que o negócio criou pernas e saiu daqui sozinho!" "Tenho certeza de que deixei ele bem aqui, neste lugar!" "É só eu deixar as coisas aqui que elas somem!". E quando as suas reclamações estão no ápice, com você já incriminando desde a empregada até a sua mãe que vive mexendo nas suas coisas, você acha o negócio em outro lugar. E só aí se lembra que, de fato, foi você quem deixou ele lá.

Por que será que isto é tão comum? A minha teoria é a seguinte: como na sua cabeça você de fato intencionava deixar algo ali, naquele lugar, o ato de distração que o fez colocá-lo num lugar diferente resulta na conclusão de que, como aquilo sumiu da sua mão, é porque você já colocou ele lá no lugar planejado. Afinal, como você não tinha intenção de deixá-lo em nenhum outro lugar, ele só pode estar lá. 

A impressão de estar correto é tão grande que a gente se esquece de que a nossa memória pode nos pregar peças às vezes. Portanto, é necessário seguir a regra do polegar: a certeza acerca do paradeiro de alguma coisa não é suficiente; faz-se necessário uma certeza absoluta.

Tocando neste assunto...

Meu avô certa vez me contou a seguinte estória:

"Quando meu pai era rapaz, ele trabalhava na fazenda de uma senhora que era viúva de um importante fazendeiro da região. Um dia, a senhora deu falta de um cheque que guardava de uma venda importante de gado que havia feito. A quantia era significativa!

A senhora, depois de procurar e perguntar aos parentes e empregados, desesperou-se com a perda. Tudo indicava que alguém havia furtado o dinheiro. Os filhos da senhora desconfiaram de um dos empregados da fazenda, que foi interrogado pelos filhos. Contudo, o empregado manteve a posição de que não nada sabia e nem dava sinais de que falaria algo de esclarecedor. Os filhos, num gesto à margem da lei, começaram a usar de força física para que o empregado contasse a verdade. Depois de algum tempo, ele admite ter roubado o cheque e diz que vai mostrar o lugar onde o tinha escondido.

Após a verificação do local descrito onde o cheque havia sido deixado, nada foi encontrado. Sob novo interrogatório, os mal tratos continuam até que um segundo lugar é descrito. Novamente, nada encontrado. Após uma certa quantidade de buscas guiadas por falsas declarações, o empregado morreu.... de tanto apanhar.

Muitos anos depois, a mulher decidiu que gostaria de vender a fazenda e sair daquele local. Para se despedir da casa onde vivera décadas com o marido, a viúva passa em cada cômodo da casa relembrando os velhos momentos. Passa pela varanda, cozinha, sala, mas é no escritório que ela fica mais tempo, para folhear os seus livros prediletos -- hábito também compartilhado pelo falecido marido.

Depois de um tempo, ouve-se um barulho e todos correm para ver o que era. Era a senhora, que acabara de cair da escada e estava espatifada no chão, inconsciente. Os filhos tentam reanimá-la, mas em vão. A senhora, na verdade, havia morrido."

"Morrido de quê, vovô?", pegunto. "Da queda?"

"Provavelmente. E mais provável ainda era a causa: em sua mão, estava um livro. Dento deste livro, havia um cheque, caprichosamente guardado entre as páginas grudadas do livro -- o cheque, que a mulher responsabilizou o empregado de furto. Ela o teria encontrado folheando as páginas de seu livro preferido. O susto da lembrança de que ela o teria escondido ali foi tanto que a fez perder o equilíbrio e cair."




quarta-feira, 15 de maio de 2013

Fique com meu livro que tomou emprestado, é presente

Dias atrás fiquei chocado com a notícia de que um amigo que há muito não via faleceu por motivo de doença. Novo, antes dos quarenta. Deixou esposa e três filhos adolescentes. Isto do ponto de vista tangível. No campo dos intangíveis, deixou provavelmente muito mais: sonhos não realizados, planos inacabados, uma dor sem tamanho no coração dos entes queridos, uma saudade indescritível para esposa e filhos, quem vão ainda chorar muito tempo a ausência dele.

Não há palavras para lamentar o caso. Se há, eu as desconheço. Só desejo que a família se recupere logo e que a felicidade não se ofusque. Ele não iria querer isso.

Tocando neste assunto...

Hoje organizando a estante do escritório, deparei-me com um livro que tomei emprestado há (contando mentalmente agora quanto tempo faz, espanto:) doze anos e que nunca devolvi. Vergonha dupla. Não somente pelo ato em si, como pela impossibilidade de fazê-lo agora, pois o livro em questão era do meu amigo que nos deixou.

A vergonha foi imensa. Mas a sensação de vergonha gradualmente se transformou em algo bom: a constatação de quanto meu amigo foi generoso de deixá-lo comigo por tanto tempo. Se reclamou de mim por tal fato, o fez merecidamente. Se ele a partir de algum tempo assumiu que o empréstimo virou presente, quero compartilhar que o presente foi bem-vindo: de vez em quando agora, vou me lembrar da pessoa bem-humorada e disposta para a vida que ele foi ao passar o olho pela capa deste livro, procurando alguma coisa na estante do escritório.

Eu costumava a reclamar de quem pegava um livro meu emprestado e não devolvia. Nunca mais faço isso. Aliás, pelo contrário: se você tem um livro meu com você, pode ficar com ele.




O mundo era perfeito

Quando eu era criança, eu achava que o mundo era perfeito. Não que eu tivesse nascido em berço de ouro, muito pelo contrário. E nem que eu t...