quinta-feira, 16 de junho de 2011

Dó, ré, mi, fácil?

Quando eu estava no ginásio, a escola inventou de organizar uma fanfarra. Eu fiquei muito animado com a ideia! Eu gosto de música desde criança. Até toco (mal, é verdade) alguns instrumentos. De imediato, tive a certeza de que queria participar. Apesar de ter ficado profundamente decepcionado ao saber que numa fanfarra não havia guitarras, procurei outro instrumento que me agradasse no formulário de inscrição. Por saber um pouco de flauta, achei que corneta seria algo, digamos, da mesma família. E foi assim que eu me apliquei a corneta na fanfarra do colégio.

Fiquei muito orgulhoso quando a aprovação da minha inscrição chegou. Lembro que eu queria saber quem seriam os outros quatro ou cinco integrantes da "banda", mal sabendo que seriam, na verdade, outros oitenta. Não seria, portanto, uma banda exatamente do jeito que eu imaginava, mas isto não comprometeu o meu entusiasmo.

No dia do primeiro ensaio, o pessoal da corneta entrou em fila para receber o instrumento. Quando chegou a minha vez, entendi o cara dizer: "Você é Fabiano?". Ao dizer que sim, recebi uma corneta em Fá. (Na verdade, ele me perguntou "Você é Fá?" e eu ouvi demais). Tudo bem, como eu nem sabia que existiam cornetas em Si bemol e Fá, qualquer uma estava valendo. O problema é que o som na corneta em Fá é mais difícil de tirar do que na outra. Pelo menos, é acreditando nisso que até hoje tento me perdoar por nunca, nem por um breve momento, ter conseguido tirar um som daquela maldita corneta!

No primeiro ensaio, o maestro ensinou rapidamente como fazer a embocadura para assoprar corretamente. Depois, pediu para que todos tentassem fazer qualquer tipo de som. A maioria conseguiu, mas um grupo relativamente grande não. Ele disse para não se preocupar, que com o passar dos ensaios as pessoas iriam conseguindo.

Ele estava certo. O grupo foi diminuindo, diminuindo, até sobrar, praticamente... eu. Aquela paciência inicial, acompanhada do discurso de que é normal não conseguir tocar corneta no começo e coisa e tal, foi se transformando numa completa indiferença do maestro e depois também dos colegas de turma. Eu estava me tornando uma espécie de patinho feio da fanfarra. Eu odiei tanto aquela corneta, que dei graças quando descobri que era possível sair da fanfarra sem prejudicar a nota (a fanfarra valia como matéria extra-curricular). Com muito pesar, e creio que alegria do resto do grupo, abandonei.

Não consigo evitar de pensar na analogia de que algumas pessoas, infelizmente, não conseguem tirar som de suas cornetas "naturais". Por algum problema nas cordas vocais, ou seja lá onde for, não conseguem falar. E, apenas por conta disso, é impressionante como suas vidas ficam limitadas dentro da sociedade. O nosso mundo é desenhado para os perfeitos. Em certo sentido, embora de forma muito simplificada, aquela corneta me fez passar por isso. Uma diferença é que lá foi fácil se ver livre do problema.

Tocando neste assunto...

Alguns anos depois, aprendi a tocar teclado. Logo que comecei a aprender, não pude deixar de notar o sintetizador de instrumento de número 42: corneta. A emoção foi grande ao tocar várias músicas muito mais difíceis do que aquelas da fanfarra em som de corneta. Mas esta emoção ficará reduzida a coisa alguma quando sintetizadores de vozes para pessoas com dificuldades de comunicação circularem por aí. Quem sabe, vendidos nas mesmas lojas onde se encontram os teclados.

O mundo era perfeito

Quando eu era criança, eu achava que o mundo era perfeito. Não que eu tivesse nascido em berço de ouro, muito pelo contrário. E nem que eu t...