O chato de buscar um produto pelo mercado é que esta tarefa exige algum instinto natural para descobrir onde ele está -- o que realmente estou longe de possuir. Aquelas placas com a indicação da seção de compras de cada corredor são de uma tamanha inutilidade. Confesso que em parte a culpa disso é minha, dada a minha ignorância de vários termos técnicos de itens do dia-a-dia. Por exemplo, tenho dificuldades de definir precisamente o que vem a ser um alvejante. No entanto, ainda estou à espera de uma boa explicação para o sorvete não estar na seção de “Frios & Congelados”.
Tocando neste assunto...
Neste último feriado, o mercado estava fechado e tive que ir a outro. Estava eu numa destas buscas pelo mercado, quando meus pensamentos se voltaram há muitos anos atrás, quando eu era criança e o meu pai me levava com ele para fazer as compras de mês. Lembrei que costumava ser divertido: a gente ficava com a lista de compras que a minha mãe preparava numa folha de caderno e a minha tarefa era cortar os itens que já haviam sido encontrados. Na minha santa ingenuidade, eu nunca cortava o item “danone”, na esperança de voltar a este item no futuro e terminar por comprar a quantidade dobrada. Não eliminava o item para caso o meu pai não acreditasse (corretamente) que já o havíamos pegado e então pedir para dar uma olhada na lista. Apesar de estratégia engenhosa, ela nunca funcionou.
Em seguida, percebi que esta fase durou até a adolescência, quando parei de ir ao mercado com o meu pai. Mais precisamente, parei de ir ao mercado em geral. Eu já não via muita graça de ficar andando no mercado cortando itens em uma lista, e muito menos graça em trocar o futebol com os amigos por uma tarde no mercado. Só me lembro de voltar a entrar num mercado quando saí da casa dos meus pais e fui estudar em outra cidade, morando em república com amigos.
A compra naquela época era bem diferente. Tanto em termos de processo, quanto de escopo. Primeiramente, não haviam itens a serem eliminados de uma lista. Até por que, nem lista de compras havia. O procedimento era muito simples: fazer um passeio por todos os corredores do mercado e jogar para dentro o que interessasse. A segunda diferença era no escopo. A compra de itens gerais para a casa, como material de limpeza, ficava a cargo de um amigo fazer, para centralizar em alguém a responsabilidade de conhecer o estoque da casa. Logo, tais itens nunca estavam no meu radar. Basicamente, a coisa funcionava assim: se eu batia o olho e achava que aquilo potencialmente era gostoso, eu comprava. Acho que no meu carrinho daquela época nunca entrou cenoura, alface, ou repolho. Se entrou, mofou na geladeira, porque eu nunca comi. Vergonhoso, eu sei. Espero que meu médico nunca leia este texto para não saber deste meu passado negro.
Incomodado pelo frio que comecei a sentir, retornei destes pensamentos e me vi perdido entre as prateleiras geladas de iogurte, ainda sem ter encontrado o papel toalha que estava procurando. Reparei só agora que eu havia voltado às origens: lista de compras na mão e itens sendo "ticados". Achei bacana ter me lembrado daquela época. Aproveitando que estava ali, peguei logo o que estava especificado de iogurte antes de voltar ao bendito do papel toalha. Eu já ia indo cortar o novo achado da minha lista, quando me contive. Retornei à busca sem cortar o iogurte. Naquele dia, o meu plano haveria enfim de funcionar.