Eu cheguei a trabalhar dois anos como instrutor de informática. Eu era muito jovem na época, mas era uma exceção. Boa parte daqueles profissionais que conheci lecionava já por dez, quinze anos. Começaram numa época em que para se usar um computador sem vender um rim para comprar um era necessário se matricular num destes cursos. Hoje em dia, computador se tornou item básico da maioria das residências, tanto quanto um telefone fixo. Todo mundo, bem ou mal, sabe usar. Isto explica o fato de que tais cursos praticamente se extinguiram. O que será que foi feito destes instrutores "da antiga"? Espero que estejam todos bem realocados no mercado. De trabalho.
Tocando neste assunto...
Refletindo sobre o tema, me vem à cabeça a minha primeira aula. Cheguei mais cedo para conhecer um a um os alunos que chegariam. O primeiro a chegar foi o Sr. Hélcio. Com uns 65 anos, era um aposentado que buscava nas atividades extracurriculares algo para se ocupar. Depois de conversarmos por algum tempo, ele me perguntou:
-- E aí, será que este professor vai ser bom mesmo? Dizem que ele é novinho...
Bem, eu não havia me introduzido como o professor propriamente dito. Então ele, sabendo dos meus dezessete anos, presumiu que eu também era aluno. Ele ficou tão constrangido em saber da situação quanto eu em explicá-la.
Quando os alunos terminaram de chegar, comecei a aula. Depois daquela introdução básica (quem é você? o que busca no curso? o que faz da vida? etc.), comecei uma explicação teórica da computação antes de colocar a mão-na-massa e deixá-los utilizar os computadores. Esta parte era meio longa, na qual expliquei notação binária, conversão entre bases, a motivação da concepção de um bit, a razão pela qual um byte tem 8 bits, entre outros assuntos. Pelas caras, no entanto, achei que a minha aula seria um fiasco. Ninguém parecia interessado (usando-se um eufemismo). Lá pelas tantas, ainda por cima, um pré-adolescente começou a fazer barulho de sapo toda vez que eu mencionava memória RAM. Achei que a coisa não funcionaria mesmo.
Mas felizmente me enganei. Assim que eles começaram a ligar os computadores para darem seus primeiros comandos (ah sim, naquela época a aula era de DOS, o precursor do aplicativo Prompt de Comando na pasta Acessórios do Windows atual), a aula mudou de cara. A turma ficou empolgada. Logo vi que teoria não interessaria àquela turma. Mais tarde, descobri que teoria não interessava na verdade a nenhuma turma.
A aula então transcorreu perfeita. A turma se interessou, começaram a responder as perguntas (talvez por começarem a entendê-las), a participar das discussões. No final da aula, pedi que todos colocassem um disquete no drive para salvarem seus trabalhos para a próxima aula. Para os leitores mais novos, um drive de disquete era como um drive de DVD que ao invés de se abrir uma portinha para acessá-lo, bastava colocar um disquete lá dentro do buraco que havia nele. O seu propósito era como aquele de uma pendrive -- guardar arquivos -- com a diferença de que no lugar dos usuais 4 GB de espaço que uma pendrive possui, um disquete de 5 1/4" armazenava 720KB.
Uma menina então levantou a mão:
-- Professor, o meu disquete não funcionou!
-- Como você sabe que não funcionou?
-- Ele está dizendo que é para eu inserir um disco na unidade, mas eu já inseri.
-- Deixe-me ver.
Quando cheguei perto, onde estava o disquete? Ele não estava no drive!
-- Mas professor, eu não o coloquei neste buraco em que está procurando. Eu coloquei neste aqui!
A garota havia jogado o disquete dentro da fresta formada pela colocação do drive no gabinete. Não me restou o que fazer senão pegar uma chave Phillips e abrir a CPU para tirar o disquete de lá de dentro. Aproveitei a aglomeração de curiosos em volta ávidos por saberem como era um computador "por dentro" para enumerar e descrever os diversos componentes. Notei que isso deu ainda mais IBOPE. Tanto foi que, em todo curso dali por diante, abrir computador passou a ser a primeira coisa que eu fazia. Nem curso de Word era exceção desta estratégia. E não falhava nunca.