Depois de muito insistir, convenci minha mãe de que eu já era "moço" o suficiente para ir sozinho a padaria comprar pão de manhã. Eu tinha por volta dos meus seis anos. A padaria ficava a umas quatro quadras da casa onde morávamos. Até hoje, conhecendo a minha mãe, não acredito que ela tenha me deixado ir. A minha filha ainda não tem seis anos, mas acredito por exemplo que eu tenha dificuldades de deixá-la ir até o play sozinha, quem dirá até a padaria. É uma das poucas vezes na qual a minha persuação me colocou em perigo. Afinal, eram várias quadras, várias atravessias de ruas. Mas naquele dia, tudo correu bem. Ou melhor, quase tudo.
Cheguei a padaria e, orgulhoso, me dirigi ao caixa. Era uma padaria simples, onde o próprio dono era o caixa. Perguntei:
-- Este dinheiro dá para comprar cinco pães?
Não é uma forma usual de se solicitar cinco pães, mas foi a que me ocorreu na época. Para um garoto de seis anos, até que não foi das piores maneiras. Afinal, eu tinha uma cédula de dinheiro em mãos cujo valor monetário eu mal tinha noção. Logo, antes de sair pedindo por algo que possivelmente eu poderia não ter como pagar, preferi me certificar de que o dinheiro seria suficiente. O problema é que a resposta veio assim:
-- Este dinheiro dá para comprar cinqüenta pães!
Quando a minha mãe me viu chegando com duas sacolas do meu tamanho lotadas de pão, quase teve um troço. Eu expliquei como foi a coisa e ela ficou revoltada, dizendo como pode alguém passar a perna numa criança! Ela me puxou pelo braço e fomos até a padaria.
O padeiro não se mostrou arrependido. Disse que o que ele disse era verdade, e ponto. Se eu não tinha a capacidade de inferir que o dinheiro dava para comprar os cinco pães que eu queria a partir do fato de que ele dava para comprar cinqüenta então o problema era meu, e dela, que me designou para ir lá fazer a compra. Conclusão: naquela semana, o pessoal lá de casa comeu torrada a semana toda de café da manhã.
Tocando neste assunto...
Estava na casa dos meus pais outro dia, quando eles, querendo me servir um café antes que eu saísse, se lembraram de que faltava em casa material para fazerem um lanche. Eu me ofereci para ir ao mercado e comprar algo. Quando estava caminhando, decidi mudar de destino para ir até a padaria onde tal estória se passou. Quando entrei, lá estava ele! Muito mais velho, sentado num banquinho, ainda no caixa. Era ele o padeiro que me enrolou. Cheguei no caixa, e mandei:
-- Este dinheiro dá para comprar cinco pães?
-- Sim, claro. Cinco pães, então?
-- Pensa bem, ele também dá para comprar cinqüenta, não?
Ele me olhou bem, desconfiado.
-- Como?
-- Quero saber se ele também dá para comprar cinqüenta. Dá ou não?!
Após alguns instantes:
-- Fabiano!! Rapaz, é você, não é?! Está enorme! Quase não te reconheci!...
Depois de um papo curto, levei os cinco pães para casa. Foi legal, senti que rolou um clima de reconciliação.
O mundo era perfeito
Quando eu era criança, eu achava que o mundo era perfeito. Não que eu tivesse nascido em berço de ouro, muito pelo contrário. E nem que eu t...
-
Quando eu era criança, eu achava que o mundo era perfeito. Não que eu tivesse nascido em berço de ouro, muito pelo contrário. E nem que eu t...
-
Estes dias eu vi o Tropa de Elite 2. Eu sei, todo mundo já deve ter visto. Com criança pequena, as idas ao cinema são muito menos freqüentes...
-
Dias atrás fiquei chocado com a notícia de que um amigo que há muito não via faleceu por motivo de doença. Novo, antes dos quarenta. Deixou ...