Uma das técnicas de prova dentro da matemática é a redução de um raciocínio a um absurdo. Quando eu ouvi esta expressão pela primeira vez, lembro de ter me perguntado: "Ué, mas se o raciocínio foi levado a um absurdo, isto é de alguma valia?". Por incrível (ou seria absurdo?) que pareça, isto diz muita coisa. A ideia da prova por absurdo é que, se há a princípio apenas duas maneiras de algo existir, e uma delas conduz a conclusões absurdas, então é porque a outra alternativa é, na verdade, a única possível de ocorrer na prática.
Vejamos um exemplo: suponha que uma pessoa esteja sendo julgada por assassinato. Por princípio, independentemente da pessoa em si que esteja sendo julgada, ela pode ou não ser culpada (só há estas duas alternativas). Se houver uma prova cabal de que ela estava em outro lugar no instante do crime (uma testemunha, um registro inquestionável dela em outro lugar, etc.), então concluímos que é um absurdo que o réu estivesse no local do crime pois, a cada momento, um corpo só pode estar em um único ponto físico (nota para os fisicos quânticos: perdoêm a minha simplificação da realidade). Logo, é absurdo que esta pessoa seja culpada do assassinato sendo, portanto, inocente.
É tão simples quanto isso. E uma gama imensa de problemas matemáticos, bem maior do que deve estar imaginando, são provados desta forma. Isto mostra como a natureza da matemática é simples. As pessoas que complicam demais. Eu já escrevi uma outra postagem sobre como problemas que parecem complicados são, em verdade, fáceis quando apresentados em outra linguagem a que nos é familiar.
Tocando neste assunto...
Estava levando minha filha de quatro anos para a escola e vimos um carro quebrado na rua sendo guinchado. Ela achou o cena o máximo.
-- Papai, porquê aquele carro está sendo levantado pelo maior? -- ela me perguntou.
-- É porquê o menor quebrou, e o maior está levantando ele para carregá-lo até uma oficina.
-- Ahhhh... ele vai levar ele no "colo" ?
-- Isso! -- achando engraçado a analogia.
-- E se o maior quebrar?
Uau. Bem pensado! Meus olhos brilharam com a oportunidade sutil de fazer a matemática parecer algo legal.
-- Pois é... aí eles trazem um caminhão maior ainda para carregar o outro.
-- Ah....
-- E se este maior também quebrasse, hein?! Já pensou?
-- Hmmm... ah, papai, aí eles iam trazer um caminhão maior ainda!
-- Isso!... Mas ele também pode quebrar....
-- É, aí agente ia ter que trazer um caminhão maior, e maior, até ficar do tamanho do mundo!... (no finalzinho, percebi pelo retrovisor que ela fez um cara de que havia algo de errado com a conclusão)
-- Pois é... e mesmo que houvesse algum caminhão do tamanho do mundo, e ele quebrasse??
-- É mesmo.... e agora !??!
-- Nossa, é mesmo.... e agora?
Pensou um pouco. E respondeu:
-- Ah, mas aí então dá para empurrar o caminhão, ao invés de colocar ele no "colo".
Esta era outra alternativa. Para transportar um objeto, ou se carrega ou se empurra ele. O método de carregar um objeto que carrega outro que carrega outro etc. leva a um absurdo (que existem caminhões do tamanho do mundo - e ainda maiores!). Logo, carros quebrados forçosamente devem, em algum momento, ser empurrados ao invés de carregados. Ela se convenceu disso provando por absurdo. E depois foi brincar de massinha na escola.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Dedicatórias
Sempre que leio um livro, não deixo de olhar o prefácio e as dedicatórias. Em geral, as pessoas pulam estas seções, e vão direto "ao que interessa". Acho importante ler também estas partes pois geralmente elas são os únicos lugares nas quais o autor revela sua verdadeira personalidade dado que o objeto de discurso é pessoal. Isto não acontece no corpo do livro, cujo conteúdo é na maior parte das vezes, ao menos no meu caso, ou ficção ou de cunho técnico.
Por falar em livro técnico, estava folheando o livro "Fundamentals of Database Systems" (Elmasri/Navathe) e me deparei com a seguinte dedicatória (traduzida) de Elmasri:
Achei muito peculiar a posição de Vicky em relação à Katrina, Thomas e Dora. Eu, por exemplo, interpretei a dedicatória assim:
Não vejo muita explicação razoável para o autor ter separado Vicky assim, tão explicitamente. Se ele gostaria de dedicar o livro a ele, por que minimizar sua importância desta maneira? Bem, vejo sim uma situação possível. O Vicky pode ser um animal de estimação e o autor não gostaria de elevá-lo à mesma categoria dos demais. Neste caso, eu não gostaria de estar na pele daqueles entes e amigos íntimos do autor que não entraram na dedicatória.
Tocando neste assunto...
Afinal de contas: qual o critério para se aparecer ou não numa dedicatória? Seria citar aqueles que mais contribuíram para a realização do trabalho? Aqueles a quem se ama? Aqueles com nome curto?! Sim, pois os espaços para dedicatórias são sempre pequenos e cada nome ali tem que ser cuidadosamente planejado. É quase como decidir comprar um novo móvel para os apartamentos (leia-se: a-per-ta-men-tos) de hoje em dia, onde cada centímetro quadrado faz a diferença entre ter ou não uma mesa de centro. Ou ainda em escolher os convidados para a festa de casamento, com os preços abusivos dos cerimoniais, que cobram por pessoa, incluindo as namoradas dos filhos daquela tia que mora longe, que há muito você não vê, mas tem obrigação de chamar. Esta decisão consciente na nomeação da dedicatória agrava ainda mais a situação, pois quem fica de fora tem razão de sobra de ficar chateado.
Defendo que, além das dedicatórias, devesse existir a seção de Difamatórias. "Ao meu antigo chefe, que dizia ter sido um erro eu largar aquele emprego para me graduar.", seria uma boa. Ou quem sabe "Ao meu chefe, por ter me feito trabalhar duro, incluindo finais de semana e feriados, de maneira que eu fui forçado a me especializar em banco de dados a ponto de escrever este livro". Pensando bem, já sei por que difamatórias não existem. A indiferença dói mais do que o ódio declarado.
No meu caso, nunca tive que escrever muita coisa que abriam a possibilidade de dedicatória além das minhas teses e monografias. Mesmo assim, quis o destino que a minha filha esteja incluída em uma dedicatória a mais do que meu filho por ter nascido antes. Tenho certeza que isso me trará confusão um dia, numa discussão destas qualquer de porquê eu deixo ela fazer algo que ele não pode. Para amenizar este problema, gostaria de dedicar esta postagem a você, meu filho!
Por falar em livro técnico, estava folheando o livro "Fundamentals of Database Systems" (Elmasri/Navathe) e me deparei com a seguinte dedicatória (traduzida) de Elmasri:
Para Katrina, Thomas e Dora (e também para Vicky).
Achei muito peculiar a posição de Vicky em relação à Katrina, Thomas e Dora. Eu, por exemplo, interpretei a dedicatória assim:
Para Katrina, Thomas e Dora. (Ah, e também para Vicky! Ufa, quase me esqueci.)
Não vejo muita explicação razoável para o autor ter separado Vicky assim, tão explicitamente. Se ele gostaria de dedicar o livro a ele, por que minimizar sua importância desta maneira? Bem, vejo sim uma situação possível. O Vicky pode ser um animal de estimação e o autor não gostaria de elevá-lo à mesma categoria dos demais. Neste caso, eu não gostaria de estar na pele daqueles entes e amigos íntimos do autor que não entraram na dedicatória.
Tocando neste assunto...
Afinal de contas: qual o critério para se aparecer ou não numa dedicatória? Seria citar aqueles que mais contribuíram para a realização do trabalho? Aqueles a quem se ama? Aqueles com nome curto?! Sim, pois os espaços para dedicatórias são sempre pequenos e cada nome ali tem que ser cuidadosamente planejado. É quase como decidir comprar um novo móvel para os apartamentos (leia-se: a-per-ta-men-tos) de hoje em dia, onde cada centímetro quadrado faz a diferença entre ter ou não uma mesa de centro. Ou ainda em escolher os convidados para a festa de casamento, com os preços abusivos dos cerimoniais, que cobram por pessoa, incluindo as namoradas dos filhos daquela tia que mora longe, que há muito você não vê, mas tem obrigação de chamar. Esta decisão consciente na nomeação da dedicatória agrava ainda mais a situação, pois quem fica de fora tem razão de sobra de ficar chateado.
Defendo que, além das dedicatórias, devesse existir a seção de Difamatórias. "Ao meu antigo chefe, que dizia ter sido um erro eu largar aquele emprego para me graduar.", seria uma boa. Ou quem sabe "Ao meu chefe, por ter me feito trabalhar duro, incluindo finais de semana e feriados, de maneira que eu fui forçado a me especializar em banco de dados a ponto de escrever este livro". Pensando bem, já sei por que difamatórias não existem. A indiferença dói mais do que o ódio declarado.
No meu caso, nunca tive que escrever muita coisa que abriam a possibilidade de dedicatória além das minhas teses e monografias. Mesmo assim, quis o destino que a minha filha esteja incluída em uma dedicatória a mais do que meu filho por ter nascido antes. Tenho certeza que isso me trará confusão um dia, numa discussão destas qualquer de porquê eu deixo ela fazer algo que ele não pode. Para amenizar este problema, gostaria de dedicar esta postagem a você, meu filho!
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Minha filha é um agente X9
Todo mundo tem algum segredinho que só os mais íntimos sabem. Ainda assim, sabem pelo simples fato de estarem sempre por perto em todas as situações; caso contrário, nem mesmo eles saberiam. Incluídos nestes "segredinhos" estão os deslizes que cometemos vez ou outra, que nem confissão premiada dá jeito de fazer alguém admitir. Como exemplos nesta categoria, podemos citar: jogar papel na rua, soltar pum no elevador (ou soltar debaixo das cobertas -- essa é braba), jogar pilhas no lixo comum (é altamente tóxico, não sabia?!), preferir sacolas de plástico para as compras de mercado às sacolas retornáveis, detestar perder tempo analisando em qual lata de coleta seletiva depositar o lixo, estacionar na calçada, descartar as seções de Economia e Política do jornal e ler somente os quadrinhos, e por aí vai. A lista é infindável.
Descobri que tenho uma agente X9 em casa. A minha filha de três anos adora entregar meus desvios de conduta, por assim dizer. Quando era para a minha esposa, ainda estava bem (ela é Ph.D. neles mesmo). Mas agora, ela me delata em público!
Hoje estávamos numa loja e ela me diz aos berros (falar baixo é um atributo que ainda estou trabalhando com ela mas, sinceramente, não sei se estou conseguindo progresso):
-- Papai, você sempre usa esta bermuda xadrez.... não tem outra não?!
Claro que arrancou risos de quem estava a volta. Dei um tapinha na cabeça dela, uma risada sem-graça para os estranhos e disse: "Estas crianças!... Não sabem o que inventar....". Não cola, mas o que eu dizer mais? "É, realmente, usei esta bermuda a semana inteira... como ela não sujou ainda -- ao menos não ao ponto de tornar uma lavada uma condição sine qua non para seu uso -- achei que daria para aproveitá-la um pouco mais. Ainda mais pelo fato de eu achar que ela me cai bem..."
A propósito, noção de tempo é uma coisa que a minha filha ainda tem dificuldades. Ela confunde "ontem", "outro dia", "amanhã".... Logo, mesmo que eu tivesse dito a verdade acima, não haveria perigo de ela retrucar: "Uma semana só, papai?". Mas é bom não arriscar.
Tocando neste assunto...
Outro dia, estava com a minha filha na fila de supermercado às 11hs de sábado, junto com todos os milhares de moradores em minha vizinhança que só perceberam que não tinham nada em casa para o almoço no próprio sábado. Com a demora na fila, a pimpolha começou a ficar impaciente. A sorte foi que percebemos que, na fila do lado, estava um garotinho da escola dela. Pronto! Agora um poderia entreter o outro até que nossa vez de passar a compra chegasse. O que eu não contava era que, em determinado momento, o moleque botou o indicador no nariz e começou a limpar o salão. A minha filha mais do que depressa o repreendeu:
-- Fulano, pare já com essa coisa feia!
Pensou um pouco, e continuou:
-- Sabia que meu pai também faz isso?!
Essa, eu juro que ela exagerou.
Descobri que tenho uma agente X9 em casa. A minha filha de três anos adora entregar meus desvios de conduta, por assim dizer. Quando era para a minha esposa, ainda estava bem (ela é Ph.D. neles mesmo). Mas agora, ela me delata em público!
Hoje estávamos numa loja e ela me diz aos berros (falar baixo é um atributo que ainda estou trabalhando com ela mas, sinceramente, não sei se estou conseguindo progresso):
-- Papai, você sempre usa esta bermuda xadrez.... não tem outra não?!
Claro que arrancou risos de quem estava a volta. Dei um tapinha na cabeça dela, uma risada sem-graça para os estranhos e disse: "Estas crianças!... Não sabem o que inventar....". Não cola, mas o que eu dizer mais? "É, realmente, usei esta bermuda a semana inteira... como ela não sujou ainda -- ao menos não ao ponto de tornar uma lavada uma condição sine qua non para seu uso -- achei que daria para aproveitá-la um pouco mais. Ainda mais pelo fato de eu achar que ela me cai bem..."
A propósito, noção de tempo é uma coisa que a minha filha ainda tem dificuldades. Ela confunde "ontem", "outro dia", "amanhã".... Logo, mesmo que eu tivesse dito a verdade acima, não haveria perigo de ela retrucar: "Uma semana só, papai?". Mas é bom não arriscar.
Tocando neste assunto...
Outro dia, estava com a minha filha na fila de supermercado às 11hs de sábado, junto com todos os milhares de moradores em minha vizinhança que só perceberam que não tinham nada em casa para o almoço no próprio sábado. Com a demora na fila, a pimpolha começou a ficar impaciente. A sorte foi que percebemos que, na fila do lado, estava um garotinho da escola dela. Pronto! Agora um poderia entreter o outro até que nossa vez de passar a compra chegasse. O que eu não contava era que, em determinado momento, o moleque botou o indicador no nariz e começou a limpar o salão. A minha filha mais do que depressa o repreendeu:
-- Fulano, pare já com essa coisa feia!
Pensou um pouco, e continuou:
-- Sabia que meu pai também faz isso?!
Essa, eu juro que ela exagerou.
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Da Terra à Lua
Estes dias, navegando por entre os títulos de livros mais vendidos pela Amazon, caí numa página mostrando os best-sellers do mês. Surpreendi-me com o audiobook mais vendido de setembro: "Da Terra à Lua", de Júlio Verne. Convenhamos: um livro escrito no século XIX ser o mais vendido do mês pode acontecer com todo mundo. Mas não é para qualquer um.
Tocando neste assunto...
No prefácio de seu livro "Da Terra à Lua", lê-se:
Tocando neste assunto...
No prefácio de seu livro "Da Terra à Lua", lê-se:
"Anything one man can imagine, other men can make real." (Júlio Verne)Menos de 100 anos depois, o homem chega à Lua. Corretamente previu que seria numa nave com três tripulantes, partindo de um lugar à 30Km de onde realmente partiu, e de quebra quase acerta o nome de dois astronautas. Pensando bem, para Júlio Verne, escrever um texto que ainda é best-seller mais de um século depois foi fichinha.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
De mudança
Mudar de endereço é igual a ligar para serviço de atendimento ao consumidor: chato para burro, mas a vida às vezes toma um rumo onde isto torna-se inevitável. Na minha última mudança, por exemplo, morávamos em um apartamento de um quarto e a nossa filha estava para nascer. Não teve, portanto, como evitar (eu me refiro à mudança). Depois de encontrado um novo apartamento e todos os detalhes acertados, faltava apenas marcar um caminhão de mudança.
Havia um caminhão que sempre ficava parado numa esquina perto de onde morava. Liguei para o telefone estampado na carroceria e me atende o seu Antenor. Ele prontamente agendou para o dia seguinte aparecer lá em casa e fazer um orçamento.
O seu Antenor era uma figura curiosa. Baixinho, nem magro nem forte, semi-calvo (ou semi-cabeludo, se você for um otimista), óculos fundo de garrafa, cheio de prosa. Assim que teve oportunidade (entenda-se: assim que me encontrou), foi tratando de dizer em quantas transportadoras de grande porte ele já havia trabalhado e de como juntou o dinheiro para comprar o caminhão e fazer o serviço por conta própria. Depois de alguma conversa, ele fez o orçamento e marcamos um dia. Apesar do seu Antenor já ter me inspirado confiança o suficiente para não achar mais necessário, resolvi prosseguir com o que eu havia planejado:
-- Então, seu Antenor, no dia traga por favor este contrato assinado, apenas para formalizar a prestação do serviço... -- disse-lhe, entregando um contrato de duas folhas que copiei e imprimi da Internet.
Sou descendente de mineiro e, como todo bom mineiro, desconfiança e pão de queijo fazem parte do meu dia-a-dia. O que eu não contava era que o seu Antenor era ainda mais cabreiro.
Dois dias depois, o seu Antenor me liga. Disse que esta estória de contrato era novidade -- onde já se viu, desconfiarem de sua pessoa? Se eu queria as coisas daquela forma, que ligasse para a Granero ou a Gato Preto. Disse isso como quem realmente ficou ofendido por aquele pedaço de papel pedindo para colocar o RG e assinar na linha pontilhada. Como eu tive uma simpatia pela pessoa do seu Antenor, me arrependi imediatamente e tentei persuadi-lo a continuar com o combinado. Depois de concordar que ele podia rasgar o contrato, ele finalmente aceitou. Antes de desligar, ainda me avisou que se os pratos e copos quebrassem durante o transporte, era porque eu não os teria embalado colocando folhas de jornal entre um e outro.
No dia da mudança, o seu Antenor aparece lá com a equipe dele. Está com uma cara de quem vai num duelo ou algo assim. Sem nenhum sorriso, nem uma brincadeira, bem diferente do nosso primeiro encontro. A fisionomia é de concentração e seriedade totais.
Durante trabalho de carregar o caminhão, começo a conversar com um funcionário dele que ficou alocado de retirar os móveis da casa e colocar no corredor. Após um tempo de conversa, percebo que não só o seu Antenor mas a equipe dele toda eram superbacanas. Isto me deu tranqüilidade o bastante para achar que o serviço seria muito bem prestado. Depois de um tempo, o funcionário dele me confidencia:
-- Rapaz, hoje quando paramos o caminhão aqui em frente, o Antenor pediu a palavra e avisou a todos: "Hoje quero atenção total na mudança. Cuidado com cada canto de parede, cada espelho e vidro da mudança, cada colocação de caixa no chão. O cliente de hoje é super exigente. Ele não vai perdoar uma falha!"
Só aí percebi quão profundamente preocupei o seu Antenor com aquele papo de contrato. Ao deixarmos o apartamento antigo rumo ao novo, ele trancou o caminhão e me deu a chave na mão. Em tom solene, avisou que aquela chave não tinha cópias e que, portanto, o caminhão só seria aberto agora no destino final com todos presentes -- que, a propósito, era há cinco quadras dali.
A retirada dos móveis e a colocação no novo apartamento foram impecáveis. O serviço foi muito bem feito e a um ótimo preço. No final, agradeci o seu Antenor pelo trabalho e disse que certamente recomendaria o seu serviço. Ele saiu de lá com uma cara de missão cumprida.
Assinatura em papel pode até ser necessário. Mas o importante mesmo é ter honra. Este é o lema do seu Antenor.
Tocando neste assunto...
Dias depois, toca a campainha. É o seu Antenor. Quer verificar se uns parafusos que ficaram no caminhão são meus. Não são. Ele me diz que fez outras duas mudanças e que não vai descansar enquanto não achar o dono.
Está bom, seu Antenor, não precisa tripudiar!
Havia um caminhão que sempre ficava parado numa esquina perto de onde morava. Liguei para o telefone estampado na carroceria e me atende o seu Antenor. Ele prontamente agendou para o dia seguinte aparecer lá em casa e fazer um orçamento.
O seu Antenor era uma figura curiosa. Baixinho, nem magro nem forte, semi-calvo (ou semi-cabeludo, se você for um otimista), óculos fundo de garrafa, cheio de prosa. Assim que teve oportunidade (entenda-se: assim que me encontrou), foi tratando de dizer em quantas transportadoras de grande porte ele já havia trabalhado e de como juntou o dinheiro para comprar o caminhão e fazer o serviço por conta própria. Depois de alguma conversa, ele fez o orçamento e marcamos um dia. Apesar do seu Antenor já ter me inspirado confiança o suficiente para não achar mais necessário, resolvi prosseguir com o que eu havia planejado:
-- Então, seu Antenor, no dia traga por favor este contrato assinado, apenas para formalizar a prestação do serviço... -- disse-lhe, entregando um contrato de duas folhas que copiei e imprimi da Internet.
Sou descendente de mineiro e, como todo bom mineiro, desconfiança e pão de queijo fazem parte do meu dia-a-dia. O que eu não contava era que o seu Antenor era ainda mais cabreiro.
Dois dias depois, o seu Antenor me liga. Disse que esta estória de contrato era novidade -- onde já se viu, desconfiarem de sua pessoa? Se eu queria as coisas daquela forma, que ligasse para a Granero ou a Gato Preto. Disse isso como quem realmente ficou ofendido por aquele pedaço de papel pedindo para colocar o RG e assinar na linha pontilhada. Como eu tive uma simpatia pela pessoa do seu Antenor, me arrependi imediatamente e tentei persuadi-lo a continuar com o combinado. Depois de concordar que ele podia rasgar o contrato, ele finalmente aceitou. Antes de desligar, ainda me avisou que se os pratos e copos quebrassem durante o transporte, era porque eu não os teria embalado colocando folhas de jornal entre um e outro.
No dia da mudança, o seu Antenor aparece lá com a equipe dele. Está com uma cara de quem vai num duelo ou algo assim. Sem nenhum sorriso, nem uma brincadeira, bem diferente do nosso primeiro encontro. A fisionomia é de concentração e seriedade totais.
Durante trabalho de carregar o caminhão, começo a conversar com um funcionário dele que ficou alocado de retirar os móveis da casa e colocar no corredor. Após um tempo de conversa, percebo que não só o seu Antenor mas a equipe dele toda eram superbacanas. Isto me deu tranqüilidade o bastante para achar que o serviço seria muito bem prestado. Depois de um tempo, o funcionário dele me confidencia:
-- Rapaz, hoje quando paramos o caminhão aqui em frente, o Antenor pediu a palavra e avisou a todos: "Hoje quero atenção total na mudança. Cuidado com cada canto de parede, cada espelho e vidro da mudança, cada colocação de caixa no chão. O cliente de hoje é super exigente. Ele não vai perdoar uma falha!"
Só aí percebi quão profundamente preocupei o seu Antenor com aquele papo de contrato. Ao deixarmos o apartamento antigo rumo ao novo, ele trancou o caminhão e me deu a chave na mão. Em tom solene, avisou que aquela chave não tinha cópias e que, portanto, o caminhão só seria aberto agora no destino final com todos presentes -- que, a propósito, era há cinco quadras dali.
A retirada dos móveis e a colocação no novo apartamento foram impecáveis. O serviço foi muito bem feito e a um ótimo preço. No final, agradeci o seu Antenor pelo trabalho e disse que certamente recomendaria o seu serviço. Ele saiu de lá com uma cara de missão cumprida.
Assinatura em papel pode até ser necessário. Mas o importante mesmo é ter honra. Este é o lema do seu Antenor.
Tocando neste assunto...
Dias depois, toca a campainha. É o seu Antenor. Quer verificar se uns parafusos que ficaram no caminhão são meus. Não são. Ele me diz que fez outras duas mudanças e que não vai descansar enquanto não achar o dono.
Está bom, seu Antenor, não precisa tripudiar!
domingo, 14 de agosto de 2011
Feliz Dia dos Pais!
O problema do feriado de Dia dos Pais é que ele cai sempre num domingo (por construção). Ele não poderia ter sido definido como a segunda quarta-feira do mês de agosto? Aposto que isto sim seria um presentão para os pais, que ralam a semana toda e teriam uma folguinha no meio da semana.
Tirando esta desvantagem, é um feriado super merecido. Ainda mais porque eu sou um pai. Em merecimento, a propósito, só perde para o Dia das Mães. Que meu pai me desculpe, mas isto é verdade. Na hora do vamos ver, de colocar a mão na fralda suja, de dar banho na banheira e tirar a mancha de Nescau da roupa, sobra sempre é para elas. Sem contar a amamentação, que desempata qualquer disputa acirrada. Seja como for, cada pai tem o importante papel, e às vezes desconhecido a ele próprio, de influenciar os caminhos dos filhos com seu exemplo, suas atitudes, e suas sugestões.
Quando eu era criança, meu pai chegou em casa do trabalho. Lembro de estar brincando de carrinho quando ele me abordou. Ele havia trazido uma pasta para mim. Era uma pasta de couro, elegante, de capa dura, onde dentro havia um espaço para se guardar folhas (com algumas dentro) e uma tabela de horários de aulas.
-- Esta pasta ganhei de um engenheiro lá da firma. Trouxe ela para você...
-- Oba! -- exclamei, já esticando o braço para alcançá-la.
-- Não, não vai ficar com você. Vou guardá-la e, quando crescer e for para a faculdade, lhe entrego.
Falou como se fosse coisa séria, apesar dos meus seis anos. Vi quando ele a guardou em seu guarda-roupa, debaixo da pilha com calças sociais, num dos cantos da parte de baixo do guarda-roupa.
O tempo passava e, quando eu tinha que abrir o guarda-roupa dele por algum motivo e via aquela pasta debaixo das calças, eu lembrava do que ele havia me falado.
Ele nunca mais precisou voltar a este assunto, nem insistir para que eu estudasse, ou me pressionar para que eu fosse admitido em uma universidade pública. Como de fato, nunca o fez. Aquela semente plantada numa situação cotidiana brotou em mim a vontade de tudo isso. Quando eu terminei a apresentação de defesa da minha tese de doutorado, juro que me lembrei daquela pasta. E me perguntei se ela ainda estaria debaixo das calças dele na parte de baixo do guarda-roupa pois, até hoje, ele ainda não me entregou!
Tocando neste assunto...
Coloquei esta pequena estória da pasta na seção de agradecimentos de minha tese. Quando ela finalmente ficou encadernada, meu pai, quando teve a oportunidade, deu uma folheada. E a leu.
-- Puxa! Você ainda se lembra da estória da pasta! -- disse ele, com a voz embargada.
-- Sim, pai! - respondi. Obrigado!
Feliz Dia dos Pais!
Tirando esta desvantagem, é um feriado super merecido. Ainda mais porque eu sou um pai. Em merecimento, a propósito, só perde para o Dia das Mães. Que meu pai me desculpe, mas isto é verdade. Na hora do vamos ver, de colocar a mão na fralda suja, de dar banho na banheira e tirar a mancha de Nescau da roupa, sobra sempre é para elas. Sem contar a amamentação, que desempata qualquer disputa acirrada. Seja como for, cada pai tem o importante papel, e às vezes desconhecido a ele próprio, de influenciar os caminhos dos filhos com seu exemplo, suas atitudes, e suas sugestões.
Quando eu era criança, meu pai chegou em casa do trabalho. Lembro de estar brincando de carrinho quando ele me abordou. Ele havia trazido uma pasta para mim. Era uma pasta de couro, elegante, de capa dura, onde dentro havia um espaço para se guardar folhas (com algumas dentro) e uma tabela de horários de aulas.
-- Esta pasta ganhei de um engenheiro lá da firma. Trouxe ela para você...
-- Oba! -- exclamei, já esticando o braço para alcançá-la.
-- Não, não vai ficar com você. Vou guardá-la e, quando crescer e for para a faculdade, lhe entrego.
Falou como se fosse coisa séria, apesar dos meus seis anos. Vi quando ele a guardou em seu guarda-roupa, debaixo da pilha com calças sociais, num dos cantos da parte de baixo do guarda-roupa.
O tempo passava e, quando eu tinha que abrir o guarda-roupa dele por algum motivo e via aquela pasta debaixo das calças, eu lembrava do que ele havia me falado.
Ele nunca mais precisou voltar a este assunto, nem insistir para que eu estudasse, ou me pressionar para que eu fosse admitido em uma universidade pública. Como de fato, nunca o fez. Aquela semente plantada numa situação cotidiana brotou em mim a vontade de tudo isso. Quando eu terminei a apresentação de defesa da minha tese de doutorado, juro que me lembrei daquela pasta. E me perguntei se ela ainda estaria debaixo das calças dele na parte de baixo do guarda-roupa pois, até hoje, ele ainda não me entregou!
Tocando neste assunto...
Coloquei esta pequena estória da pasta na seção de agradecimentos de minha tese. Quando ela finalmente ficou encadernada, meu pai, quando teve a oportunidade, deu uma folheada. E a leu.
-- Puxa! Você ainda se lembra da estória da pasta! -- disse ele, com a voz embargada.
-- Sim, pai! - respondi. Obrigado!
Feliz Dia dos Pais!
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Guerra de fotos
Quando eu era criança, eram raros os eventos pessoais registrados com fotos. Além das viagens de férias, havia dois que eram invariavelmente fotografados: aniversário e desfile de 7 de setembro. Aniversário é meio óbvio, mas.... desfile de 7 de setembro?! Ainda me pergunto porque meus pais se dedicavam a preparar a câmera para o dia do desfile, se não o faziam em outras ocasióes...patriotismo, talvez.
Naquela época, era tudo mais difícil e, principalmente, mais caro. Registrar os momentos na maneira e quantidade que registramos hoje era inviável. A minha esposa hoje, por exemplo, tira tanta foto que dá para fazer animação se passarmos 24 fotos por segundo. Antes, era necessário comprar filme, pilha para a máquina, depois levar o filme para revelar e, dias depois, voltar para buscar a revelação. O processo era tão chato que só víamos as minhas fotos do desfile em dezembro. Isto ainda porque meu pai tinha que desocupar a máquina para colocar o novo filme comprado para o meu aniversário (que, por sua vez, ficava até o próximo 7 de setembro). A propósito, foi assim, postergando a revelação, que meu pai deixou um filme de desfile por nada mais nada menos que quinze anos dentro da máquina, depois que a aposentou. Quando descobriu o filme dentro da máquina às traças, ele tentou revelá-lo animado com a possibilidade de ter fotos inéditas do filho ainda criança que estavam perdidas no tempo. Quando ele pediu a revelação daquele filme, certamente o atendente pensou: "Meu Deus! Máquina do tempo existe!"
E quando acontecia daquela foto, a mais esperada do conjunto, saía queimada? Era tão comum, que me lembro da brincadeira de dizer a um conhecido: "Ei, não vá aparecer na minha foto se não ela queima!", dando a entender que o dito cujo, de tão feio, faria a foto ser mal revelada por má vontade do funcionário, desmotivado de ficar olhando-a. Há algum tempo, sem querer, fiz esta brincadeira com alguém com menos de 20 anos. Recusei-me a explicar a piada.
Esta estória me veio à cabeça por um fato inusitado que ocorreu comigo semana passada. Estava eu dirigindo, o maior congestionamento, quando o cara do carro da frente começou a discutir com o carro do lado, na minha diagonal. Em dado momento, depois de muitas trocas de gentilezas (a julgar pela forma de comunicação entre eles pelas respectivas janelas abertas), um deles aproveitando de uma parada do trânsito, desceu do carro com uma coisa preta na mão. Pensei: "Ih, estou frito. Vai ter bala perdida!". Mas não houve. O camarada parou em frente ao outro carro e começou a.... tirar fotos da placa. O outro colocou a mão para fora do carro e começou a tirar fotos do primeiro. Quando este voltou ao seu carro, o segundo resolveu também descer e tirar fotos da placa do outro que, por sua vez, tirou fotos do primeiro. Pensei em me oferecer para tirar foto dos dois juntos, mas julguei que não seria apropriado. Imaginei que escutaria de algum deles: "Ei, flash na cara não! Aí já é demais!" e, num ato insano, começariam a fazer vídeos em HD um do outro. No fim, cada um voltou ao seu carro e seguimos todos viagem.
Achei engraçado esta guerra de fotos. Duvido que eles fariam isto no tempo dos filmes e revelações.
Tocando neste assunto...
Quem sabe influenciado por testemunhar este fato, hoje eu também perdi a cabeça no trânsito. Pela segunda vez em alguns meses, o carro do Google Maps entra na minha frente no tränsito e fica tirando fotos para o Google Street View, comigo andando bem atrás. Desta vez, contudo, náo deixei por menos. Contra-ataquei:
Naquela época, era tudo mais difícil e, principalmente, mais caro. Registrar os momentos na maneira e quantidade que registramos hoje era inviável. A minha esposa hoje, por exemplo, tira tanta foto que dá para fazer animação se passarmos 24 fotos por segundo. Antes, era necessário comprar filme, pilha para a máquina, depois levar o filme para revelar e, dias depois, voltar para buscar a revelação. O processo era tão chato que só víamos as minhas fotos do desfile em dezembro. Isto ainda porque meu pai tinha que desocupar a máquina para colocar o novo filme comprado para o meu aniversário (que, por sua vez, ficava até o próximo 7 de setembro). A propósito, foi assim, postergando a revelação, que meu pai deixou um filme de desfile por nada mais nada menos que quinze anos dentro da máquina, depois que a aposentou. Quando descobriu o filme dentro da máquina às traças, ele tentou revelá-lo animado com a possibilidade de ter fotos inéditas do filho ainda criança que estavam perdidas no tempo. Quando ele pediu a revelação daquele filme, certamente o atendente pensou: "Meu Deus! Máquina do tempo existe!"
E quando acontecia daquela foto, a mais esperada do conjunto, saía queimada? Era tão comum, que me lembro da brincadeira de dizer a um conhecido: "Ei, não vá aparecer na minha foto se não ela queima!", dando a entender que o dito cujo, de tão feio, faria a foto ser mal revelada por má vontade do funcionário, desmotivado de ficar olhando-a. Há algum tempo, sem querer, fiz esta brincadeira com alguém com menos de 20 anos. Recusei-me a explicar a piada.
Esta estória me veio à cabeça por um fato inusitado que ocorreu comigo semana passada. Estava eu dirigindo, o maior congestionamento, quando o cara do carro da frente começou a discutir com o carro do lado, na minha diagonal. Em dado momento, depois de muitas trocas de gentilezas (a julgar pela forma de comunicação entre eles pelas respectivas janelas abertas), um deles aproveitando de uma parada do trânsito, desceu do carro com uma coisa preta na mão. Pensei: "Ih, estou frito. Vai ter bala perdida!". Mas não houve. O camarada parou em frente ao outro carro e começou a.... tirar fotos da placa. O outro colocou a mão para fora do carro e começou a tirar fotos do primeiro. Quando este voltou ao seu carro, o segundo resolveu também descer e tirar fotos da placa do outro que, por sua vez, tirou fotos do primeiro. Pensei em me oferecer para tirar foto dos dois juntos, mas julguei que não seria apropriado. Imaginei que escutaria de algum deles: "Ei, flash na cara não! Aí já é demais!" e, num ato insano, começariam a fazer vídeos em HD um do outro. No fim, cada um voltou ao seu carro e seguimos todos viagem.
Achei engraçado esta guerra de fotos. Duvido que eles fariam isto no tempo dos filmes e revelações.
Tocando neste assunto...
Quem sabe influenciado por testemunhar este fato, hoje eu também perdi a cabeça no trânsito. Pela segunda vez em alguns meses, o carro do Google Maps entra na minha frente no tränsito e fica tirando fotos para o Google Street View, comigo andando bem atrás. Desta vez, contudo, náo deixei por menos. Contra-ataquei:
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Você sabe quanto custa um filho?
Hoje a minha esposa me enviou um e-mail. Achei que seria para me lembrar que ainda não troquei a lâmpada da cozinha que queimou há uma semana. (Hoje, saí de mansinho para evitar dela se lembrar e me fazer trocá-la, justo hoje que eu tinha que passar em mil lugares antes de ir para o trabalho. Por isso, estava esperando um e-mail sobre o assunto.) Mas o conteúdo da mensagem foi diferente. Ela dizia que o umbigo do nosso filho havia caído.
Sim, acabamos de ter mais um filho! Não sei por que, mas os pais tem umas preocupações esquisitas com os filhos pequenos. Por exemplo, quando o umbigo vai cair. Ou se o filho vai engasgar com leite. Ou acordar de madrugada e verificar se ele está respirando -- como se eles pudessem fazer alguma coisa em qualquer um destes casos. Por exemplo, eu nunca vi alguém dizer que teve que ir no hospital ou passou o maior perrengue porque o umbigo não caiu. Alguém que não nunca toma banho de piscina e depois confidencia ao seu melhor amigo: "Cara, não conte a ninguém, mas eu não gosto de piscina por um motivo... o meu umbigo nunca caiu! Veja só a tripa para fora da barriga!". Mas mesmo assim, confesso que fiquei aliviado com a notícia.
Falta mencionar um detalhe sobre o e-mail. Eu estava apenas copiado no correio. Ele teve como destinatário principal uma outra pessoa: o nosso filho, o tal que acaba de nascer. Sim, ele já ganhou uma conta que já deve ter uma dúzia de mensagens. A ideia de criar uma conta para eles surgiu logo que nossa primeira filha nasceu. A propósito, sempre achei que naquela pulseirinha da maternidade, com o nome do bebê e da mãe, já deveria vir um e-mail vitalício: fulaninho.da.silva@cidadao.gov.br. Mas dado que as coisas ainda não são assim, também abrimos uma conta para ela e, desde então, ela já recebeu centenas de e-mails, entre piadas até advertências sobre o comportamento. Ela tem três anos e, portanto, ainda não leu nenhuma das mensagem. Mas poderá ter a chance de acompanhar em retrospectiva o estado de espírito da família em cada momento desde que nasceu -- isso se o Google não desativar a conta dela por inatividade.
Antes de apagar a mensagem, respondi à minha esposa: "Hei, você esqueceu de copiar a nossa filha...". Ela encaminhou a mensagem novamente, desta vez a copiando. Não quero que em 2016, preparando-me para ir a algum ginásio para acompanhar os jogos olímpicos que ocorrerão no Rio, nossa filha dê um piti antes de sairmos porque a mãe trocou e-mail com o pai e o irmão em 2011 sobre a queda do umbigo e ela ficou de fora. Melhor prevenir do que remediar.
Tocando neste assunto...
Durante a faculdade, estava eu conversando com um professor na saída de uma aula. Um sujeito se aproximou e, com toda educação, interrompeu nossa conversa. Era alguém que, pelas saudações e a surpresa do reencontro, conhecia o meu professor desde muito tempo.
-- Mas e aí rapaz, o que fez da vida? Casou? -- perguntou ele ao meu professor.
-- Sim, casei... três filhos, e você?!
-- Uaaau! Três filhos?! Eu casei, mas não temos filhos e nem queremos ter!
De certa forma, senti que a declaração chocou o meu professor.
-- Mas por que não?
-- Ora -- justificou ele, com convicção absoluta do que falava, como se já tivesse pensado no caso por muito tempo -- sabe quanto custa educar um filho até os 24 anos, supondo que ele fique mesmo independente financeiramente aos 24 anos (cada vez mais difícil)? Deve contar jardim de infância, escola, natação, judô, escola de música, curso de inglês e espanhol, plano de saúde, roupa, comida, cinema, médico e por aí vai...
Meu professor franziu a testa.
-- Hmmm.... não sei... nunca pensei nisso.... você já?
-- Sim... está tudo numa planilha Excel que tenho. Sendo conservador, e levando-se em conta um rendimento de 0,5% mensais se o gasto fosse aplicado, totalizaria um milhão de reais por filho. E isso por baixo! E então, estou muito errado de pensar assim?!
O meu professor ficou pensativo. Talvez por nunca ter se dado conta de argumento semelhante a este, enquanto o seu amigo exibia um sorriso triunfante. Contudo, este seu sorriso deu lugar a uma tremenda cara de surpresa quando ele ouviu a resposta, contendo um argumento que ele, por sua vez, nunca tinha se dado conta:
-- Rapaz, então eu estou levando muita vantagem.... cada filho meu nem chegou ainda aos 24 anos e já valem para mim, cada um, mais do que um milhão.
Sim, acabamos de ter mais um filho! Não sei por que, mas os pais tem umas preocupações esquisitas com os filhos pequenos. Por exemplo, quando o umbigo vai cair. Ou se o filho vai engasgar com leite. Ou acordar de madrugada e verificar se ele está respirando -- como se eles pudessem fazer alguma coisa em qualquer um destes casos. Por exemplo, eu nunca vi alguém dizer que teve que ir no hospital ou passou o maior perrengue porque o umbigo não caiu. Alguém que não nunca toma banho de piscina e depois confidencia ao seu melhor amigo: "Cara, não conte a ninguém, mas eu não gosto de piscina por um motivo... o meu umbigo nunca caiu! Veja só a tripa para fora da barriga!". Mas mesmo assim, confesso que fiquei aliviado com a notícia.
Falta mencionar um detalhe sobre o e-mail. Eu estava apenas copiado no correio. Ele teve como destinatário principal uma outra pessoa: o nosso filho, o tal que acaba de nascer. Sim, ele já ganhou uma conta que já deve ter uma dúzia de mensagens. A ideia de criar uma conta para eles surgiu logo que nossa primeira filha nasceu. A propósito, sempre achei que naquela pulseirinha da maternidade, com o nome do bebê e da mãe, já deveria vir um e-mail vitalício: fulaninho.da.silva@cidadao.gov.br. Mas dado que as coisas ainda não são assim, também abrimos uma conta para ela e, desde então, ela já recebeu centenas de e-mails, entre piadas até advertências sobre o comportamento. Ela tem três anos e, portanto, ainda não leu nenhuma das mensagem. Mas poderá ter a chance de acompanhar em retrospectiva o estado de espírito da família em cada momento desde que nasceu -- isso se o Google não desativar a conta dela por inatividade.
Antes de apagar a mensagem, respondi à minha esposa: "Hei, você esqueceu de copiar a nossa filha...". Ela encaminhou a mensagem novamente, desta vez a copiando. Não quero que em 2016, preparando-me para ir a algum ginásio para acompanhar os jogos olímpicos que ocorrerão no Rio, nossa filha dê um piti antes de sairmos porque a mãe trocou e-mail com o pai e o irmão em 2011 sobre a queda do umbigo e ela ficou de fora. Melhor prevenir do que remediar.
Tocando neste assunto...
Durante a faculdade, estava eu conversando com um professor na saída de uma aula. Um sujeito se aproximou e, com toda educação, interrompeu nossa conversa. Era alguém que, pelas saudações e a surpresa do reencontro, conhecia o meu professor desde muito tempo.
-- Mas e aí rapaz, o que fez da vida? Casou? -- perguntou ele ao meu professor.
-- Sim, casei... três filhos, e você?!
-- Uaaau! Três filhos?! Eu casei, mas não temos filhos e nem queremos ter!
De certa forma, senti que a declaração chocou o meu professor.
-- Mas por que não?
-- Ora -- justificou ele, com convicção absoluta do que falava, como se já tivesse pensado no caso por muito tempo -- sabe quanto custa educar um filho até os 24 anos, supondo que ele fique mesmo independente financeiramente aos 24 anos (cada vez mais difícil)? Deve contar jardim de infância, escola, natação, judô, escola de música, curso de inglês e espanhol, plano de saúde, roupa, comida, cinema, médico e por aí vai...
Meu professor franziu a testa.
-- Hmmm.... não sei... nunca pensei nisso.... você já?
-- Sim... está tudo numa planilha Excel que tenho. Sendo conservador, e levando-se em conta um rendimento de 0,5% mensais se o gasto fosse aplicado, totalizaria um milhão de reais por filho. E isso por baixo! E então, estou muito errado de pensar assim?!
O meu professor ficou pensativo. Talvez por nunca ter se dado conta de argumento semelhante a este, enquanto o seu amigo exibia um sorriso triunfante. Contudo, este seu sorriso deu lugar a uma tremenda cara de surpresa quando ele ouviu a resposta, contendo um argumento que ele, por sua vez, nunca tinha se dado conta:
-- Rapaz, então eu estou levando muita vantagem.... cada filho meu nem chegou ainda aos 24 anos e já valem para mim, cada um, mais do que um milhão.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
As fábulas e suas lições de moral
Estava eu numa livraria na seção infantil (sim, minha filha obviamente estava junto), quando passei os olhos por um livro que consistia de uma coletânea de fábulas. Uma fábula, como todos sabem, é um pequeno conto no qual, escondida em sua ficção, encontra-se uma lição de moral. Neste livro, havia uma proposta interessante: no rodapé de cada página onde trazia-se uma fábula, enunciava-se a lição de moral correspondente. Isto era feito de maneira muito discreta, de modo que a criança pudesse antes refletir sobre o tema e verificar em seguida se a lição que julga ter aprendido casa com aquela apontada pelo autor. Achei interessante a ideia.
Depois de ler algumas fábulas, deparei-me com a que transcrevo a seguir:
Tocando neste assunto...
Quando eu tinha cinco anos, ao sair da calçada para a rua de bicicleta fui atropelado por uma caminhonete. O acidente foi feio: quebrei três costelas e tive uma perfuração nas costas, na altura do pulmão (muito embora, a cicatriz tenha descido até a cintura, pois a pele foi esticando com o crescimento). Sobrevivi, naturalmente.
Passado o susto, meu pai se recusou dali por diante a botar o pé novamente no mercadinho do bairro. O fato é que aquela caminhonete pertencia a este mercado, que trabalhava fazendo entregas de compras nas residências. Meu pai condenava até a oitava geração do motorista enquanto minha mãe ponderava que tinha sido um infortuito, que o jovem motorista não teve culpa de atropelar uma criança de desceu de repente da calçada de bicicleta. Meu pai não engolia este argumento: "Eu vi na cara daquele safado! Tenho certeza que ele teve culpa de alguma forma!", repetia ele, impiedoso.
Muitos anos depois, minha mãe e eu entramos no mercado para comprar qualquer coisa. Enquanto ela pegava alguns itens entre uma prateleira e outra, parou de repente e, então, puxou-me pelo braço:
-- Fabiano, é aquele moço que lhe atropelou! Você se lembra dele?!
Puxa, era ele então. Ele ainda trabalhava no mercado. Eu não me lembrava de seu rosto, pois eu era muito criança na época.
-- Mãe, acha que devemos falar com ele?
-- Vamos lá.
Ao chegar perto do camarada, minha mãe começou:
-- Ei, você se lembra dele?
O rapaz parou o trabalho e me olhou desconfiado.
-- Olha, sinceramente.... não me lembro não. -- respondeu ele. Minha mãe continuou:
-- Há muitos anos, você o atropelou.
-- Meu Deus, sério? Atropelei como, com qual carro?
-- Foi de caminhonete!
-- Ahhh, sim, é que não dirijo caminhonete há muito tempo, mas já atropelei de caminhonete sim...
Pausa. Notem que o sujeito pelo visto já atropelou de outras formas também. Sabe-se lá Deus de quantas mais. Ele me perguntou:
-- Você morava na Caieras, não?
-- Não, aqui mesmo!
-- Hmmm... -- fazendo cara de quem quer se lembrar -- eu por acaso passei no seu pé?
-- Não, eu estava de bicicleta, e aí...
-- Ah, eu subi na calçada e peguei você!
-- Não, eu que desci na rua e aí você me atropelou!
-- Puxa, mas isto tem muito mais anos que eu imaginava! Estava tentando me lembrar de casos mais recentes. Rapaz, como é bom te ver assim, bom de saúde!
Ao sair daquele mercado, minha mãe xingava até a décima-quarta geração daquele camarada.
Moral da estória? Como no caso da fábula "O Boi e a Rã", a minha intuição é que deve sim existir uma lição a ser aprendida. O problema é encontrá-la.
Depois de ler algumas fábulas, deparei-me com a que transcrevo a seguir:
O Boi e a Rã
Um Boi foi beber água num brejo e, acidentalmente, pisa numa ninhada de rãs e esmaga uma delas.Fiquei intrigado. Que raio de lição de moral seria aquela?! "Ao atravessar uma rua, além de olhar para um lado e para o outro, olhe também para cima"? "Quem tenta ser maior do que tem condições se mete em encrenca"? "Quem pode, podeç quem não pode, sai de baixo"? Fiquei envergonhado de ter que ler o rodapé sem certeza de qual lição seria. Eis-la aqui:
A mãe das Rãs, ao sentir pela falta de um dos seus filhotes, pergunta aos seus irmãos o que aconteceu com ele.
Ele foi morto! Há poucos minutos atrás, uma enorme Besta, com quatro grandes patas rachadas ao meio, veio até a lagoa e pisou em cima dele.
A mãe começa a inchar e pergunta:
A besta era maior do que eu estou agora?
O filho pede para ela parar de inchar - não se aborreça, mas eu lhe asseguro, por mais que tente, você explodiria antes de conseguir ficar o tamanho daquele Monstro.
Moral da Estória:
Na maioria das vezes, as coisas insignificantes desviam nossa atenção do verdadeiro problema.Não sei quanto a vocês, mas tive dificuldades de associar a lição com o conto propriamente dito. Seria possível se chegar a esta lição, assim, tão claramente? Acho que a coisa insignificante que desvia nossa atenção, neste caso, é justamente este texto. Seria isto?!
Tocando neste assunto...
Quando eu tinha cinco anos, ao sair da calçada para a rua de bicicleta fui atropelado por uma caminhonete. O acidente foi feio: quebrei três costelas e tive uma perfuração nas costas, na altura do pulmão (muito embora, a cicatriz tenha descido até a cintura, pois a pele foi esticando com o crescimento). Sobrevivi, naturalmente.
Passado o susto, meu pai se recusou dali por diante a botar o pé novamente no mercadinho do bairro. O fato é que aquela caminhonete pertencia a este mercado, que trabalhava fazendo entregas de compras nas residências. Meu pai condenava até a oitava geração do motorista enquanto minha mãe ponderava que tinha sido um infortuito, que o jovem motorista não teve culpa de atropelar uma criança de desceu de repente da calçada de bicicleta. Meu pai não engolia este argumento: "Eu vi na cara daquele safado! Tenho certeza que ele teve culpa de alguma forma!", repetia ele, impiedoso.
Muitos anos depois, minha mãe e eu entramos no mercado para comprar qualquer coisa. Enquanto ela pegava alguns itens entre uma prateleira e outra, parou de repente e, então, puxou-me pelo braço:
-- Fabiano, é aquele moço que lhe atropelou! Você se lembra dele?!
Puxa, era ele então. Ele ainda trabalhava no mercado. Eu não me lembrava de seu rosto, pois eu era muito criança na época.
-- Mãe, acha que devemos falar com ele?
-- Vamos lá.
Ao chegar perto do camarada, minha mãe começou:
-- Ei, você se lembra dele?
O rapaz parou o trabalho e me olhou desconfiado.
-- Olha, sinceramente.... não me lembro não. -- respondeu ele. Minha mãe continuou:
-- Há muitos anos, você o atropelou.
-- Meu Deus, sério? Atropelei como, com qual carro?
-- Foi de caminhonete!
-- Ahhh, sim, é que não dirijo caminhonete há muito tempo, mas já atropelei de caminhonete sim...
Pausa. Notem que o sujeito pelo visto já atropelou de outras formas também. Sabe-se lá Deus de quantas mais. Ele me perguntou:
-- Você morava na Caieras, não?
-- Não, aqui mesmo!
-- Hmmm... -- fazendo cara de quem quer se lembrar -- eu por acaso passei no seu pé?
-- Não, eu estava de bicicleta, e aí...
-- Ah, eu subi na calçada e peguei você!
-- Não, eu que desci na rua e aí você me atropelou!
-- Puxa, mas isto tem muito mais anos que eu imaginava! Estava tentando me lembrar de casos mais recentes. Rapaz, como é bom te ver assim, bom de saúde!
Ao sair daquele mercado, minha mãe xingava até a décima-quarta geração daquele camarada.
Moral da estória? Como no caso da fábula "O Boi e a Rã", a minha intuição é que deve sim existir uma lição a ser aprendida. O problema é encontrá-la.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Procura-se um instrutor de informática
Há 15 anos, os "cursinhos" de informática -- cursos que oferecem treinamento de programas básicos, como Windows, Word, Excel, etc. -- proliferaram. Hoje, quase não os vemos mais.
Eu cheguei a trabalhar dois anos como instrutor de informática. Eu era muito jovem na época, mas era uma exceção. Boa parte daqueles profissionais que conheci lecionava já por dez, quinze anos. Começaram numa época em que para se usar um computador sem vender um rim para comprar um era necessário se matricular num destes cursos. Hoje em dia, computador se tornou item básico da maioria das residências, tanto quanto um telefone fixo. Todo mundo, bem ou mal, sabe usar. Isto explica o fato de que tais cursos praticamente se extinguiram. O que será que foi feito destes instrutores "da antiga"? Espero que estejam todos bem realocados no mercado. De trabalho.
Tocando neste assunto...
Refletindo sobre o tema, me vem à cabeça a minha primeira aula. Cheguei mais cedo para conhecer um a um os alunos que chegariam. O primeiro a chegar foi o Sr. Hélcio. Com uns 65 anos, era um aposentado que buscava nas atividades extracurriculares algo para se ocupar. Depois de conversarmos por algum tempo, ele me perguntou:
-- E aí, será que este professor vai ser bom mesmo? Dizem que ele é novinho...
Bem, eu não havia me introduzido como o professor propriamente dito. Então ele, sabendo dos meus dezessete anos, presumiu que eu também era aluno. Ele ficou tão constrangido em saber da situação quanto eu em explicá-la.
Quando os alunos terminaram de chegar, comecei a aula. Depois daquela introdução básica (quem é você? o que busca no curso? o que faz da vida? etc.), comecei uma explicação teórica da computação antes de colocar a mão-na-massa e deixá-los utilizar os computadores. Esta parte era meio longa, na qual expliquei notação binária, conversão entre bases, a motivação da concepção de um bit, a razão pela qual um byte tem 8 bits, entre outros assuntos. Pelas caras, no entanto, achei que a minha aula seria um fiasco. Ninguém parecia interessado (usando-se um eufemismo). Lá pelas tantas, ainda por cima, um pré-adolescente começou a fazer barulho de sapo toda vez que eu mencionava memória RAM. Achei que a coisa não funcionaria mesmo.
Mas felizmente me enganei. Assim que eles começaram a ligar os computadores para darem seus primeiros comandos (ah sim, naquela época a aula era de DOS, o precursor do aplicativo Prompt de Comando na pasta Acessórios do Windows atual), a aula mudou de cara. A turma ficou empolgada. Logo vi que teoria não interessaria àquela turma. Mais tarde, descobri que teoria não interessava na verdade a nenhuma turma.
A aula então transcorreu perfeita. A turma se interessou, começaram a responder as perguntas (talvez por começarem a entendê-las), a participar das discussões. No final da aula, pedi que todos colocassem um disquete no drive para salvarem seus trabalhos para a próxima aula. Para os leitores mais novos, um drive de disquete era como um drive de DVD que ao invés de se abrir uma portinha para acessá-lo, bastava colocar um disquete lá dentro do buraco que havia nele. O seu propósito era como aquele de uma pendrive -- guardar arquivos -- com a diferença de que no lugar dos usuais 4 GB de espaço que uma pendrive possui, um disquete de 5 1/4" armazenava 720KB.
Uma menina então levantou a mão:
-- Professor, o meu disquete não funcionou!
-- Como você sabe que não funcionou?
-- Ele está dizendo que é para eu inserir um disco na unidade, mas eu já inseri.
-- Deixe-me ver.
Quando cheguei perto, onde estava o disquete? Ele não estava no drive!
-- Mas professor, eu não o coloquei neste buraco em que está procurando. Eu coloquei neste aqui!
A garota havia jogado o disquete dentro da fresta formada pela colocação do drive no gabinete. Não me restou o que fazer senão pegar uma chave Phillips e abrir a CPU para tirar o disquete de lá de dentro. Aproveitei a aglomeração de curiosos em volta ávidos por saberem como era um computador "por dentro" para enumerar e descrever os diversos componentes. Notei que isso deu ainda mais IBOPE. Tanto foi que, em todo curso dali por diante, abrir computador passou a ser a primeira coisa que eu fazia. Nem curso de Word era exceção desta estratégia. E não falhava nunca.
Eu cheguei a trabalhar dois anos como instrutor de informática. Eu era muito jovem na época, mas era uma exceção. Boa parte daqueles profissionais que conheci lecionava já por dez, quinze anos. Começaram numa época em que para se usar um computador sem vender um rim para comprar um era necessário se matricular num destes cursos. Hoje em dia, computador se tornou item básico da maioria das residências, tanto quanto um telefone fixo. Todo mundo, bem ou mal, sabe usar. Isto explica o fato de que tais cursos praticamente se extinguiram. O que será que foi feito destes instrutores "da antiga"? Espero que estejam todos bem realocados no mercado. De trabalho.
Tocando neste assunto...
Refletindo sobre o tema, me vem à cabeça a minha primeira aula. Cheguei mais cedo para conhecer um a um os alunos que chegariam. O primeiro a chegar foi o Sr. Hélcio. Com uns 65 anos, era um aposentado que buscava nas atividades extracurriculares algo para se ocupar. Depois de conversarmos por algum tempo, ele me perguntou:
-- E aí, será que este professor vai ser bom mesmo? Dizem que ele é novinho...
Bem, eu não havia me introduzido como o professor propriamente dito. Então ele, sabendo dos meus dezessete anos, presumiu que eu também era aluno. Ele ficou tão constrangido em saber da situação quanto eu em explicá-la.
Quando os alunos terminaram de chegar, comecei a aula. Depois daquela introdução básica (quem é você? o que busca no curso? o que faz da vida? etc.), comecei uma explicação teórica da computação antes de colocar a mão-na-massa e deixá-los utilizar os computadores. Esta parte era meio longa, na qual expliquei notação binária, conversão entre bases, a motivação da concepção de um bit, a razão pela qual um byte tem 8 bits, entre outros assuntos. Pelas caras, no entanto, achei que a minha aula seria um fiasco. Ninguém parecia interessado (usando-se um eufemismo). Lá pelas tantas, ainda por cima, um pré-adolescente começou a fazer barulho de sapo toda vez que eu mencionava memória RAM. Achei que a coisa não funcionaria mesmo.
Mas felizmente me enganei. Assim que eles começaram a ligar os computadores para darem seus primeiros comandos (ah sim, naquela época a aula era de DOS, o precursor do aplicativo Prompt de Comando na pasta Acessórios do Windows atual), a aula mudou de cara. A turma ficou empolgada. Logo vi que teoria não interessaria àquela turma. Mais tarde, descobri que teoria não interessava na verdade a nenhuma turma.
A aula então transcorreu perfeita. A turma se interessou, começaram a responder as perguntas (talvez por começarem a entendê-las), a participar das discussões. No final da aula, pedi que todos colocassem um disquete no drive para salvarem seus trabalhos para a próxima aula. Para os leitores mais novos, um drive de disquete era como um drive de DVD que ao invés de se abrir uma portinha para acessá-lo, bastava colocar um disquete lá dentro do buraco que havia nele. O seu propósito era como aquele de uma pendrive -- guardar arquivos -- com a diferença de que no lugar dos usuais 4 GB de espaço que uma pendrive possui, um disquete de 5 1/4" armazenava 720KB.
Uma menina então levantou a mão:
-- Professor, o meu disquete não funcionou!
-- Como você sabe que não funcionou?
-- Ele está dizendo que é para eu inserir um disco na unidade, mas eu já inseri.
-- Deixe-me ver.
Quando cheguei perto, onde estava o disquete? Ele não estava no drive!
-- Mas professor, eu não o coloquei neste buraco em que está procurando. Eu coloquei neste aqui!
A garota havia jogado o disquete dentro da fresta formada pela colocação do drive no gabinete. Não me restou o que fazer senão pegar uma chave Phillips e abrir a CPU para tirar o disquete de lá de dentro. Aproveitei a aglomeração de curiosos em volta ávidos por saberem como era um computador "por dentro" para enumerar e descrever os diversos componentes. Notei que isso deu ainda mais IBOPE. Tanto foi que, em todo curso dali por diante, abrir computador passou a ser a primeira coisa que eu fazia. Nem curso de Word era exceção desta estratégia. E não falhava nunca.
sábado, 25 de junho de 2011
Agora vai!.... E foi.
Um amigo meu estava me falando dos seus planos de se casar em Las Vegas. Isto me lembrou de uma estória supostamente verídica que se passou há pelo menos vinte anos atrás. que foi quando eu li tal estória numa revista.
Tratava-se de um cara viciado em jogos cujo sonho era se casar justamente em Las Vegas. Logo que chegou ao hotel, no qual funcionava um grande cassino, o jovem noivo desceu com a noiva para jogarem roleta (vai entender). Mas o rapaz jogou tão pesada e desastrosamente, que seus cinco mil dólares destinados a brincar no cassino em seus dias de lua de mel se foram nas duas horas de jogo do primeiro dia de sua estadia.
Desconsolado, subiu com a noiva para o quarto enquanto esta tentava animá-lo. Ao entrar pela porta, porém, foi tomado por uma estranha sensação de que a sorte havia mudado. Mesmo sem acreditar, a moça permitiu ao rapaz que descesse novamente para terminar de arriscar os dois últimos dólares que restara na carteira do recém-marido.
Ao receber duas fichas pela troca, apostou-as no número 14 da roleta. Ela girou, girou e -- quem diria -- parou no 14! Ele ganhou então 70 fichas pelo palpite certeiro e tratou de apostar novamente todas suas fichas num único número, o vinte e sete desta vez. A bolinha rodou, rodou, e... vinte e sete! O rapaz ganhou 2450 fichas e, mais uma vez, apostou tudo num único número. A plateia foi ao delírio quando testemunharam novamente o rapaz acertar em cheio o número 30, resultando em aproximadamente 85 mil dólares de ganhos, em vinte minuto de jogo!
Quando ele colocou todas as fichas no número 7, o gerente foi chamado. Se ele ganhasse, o prêmio seria de nada menos nada mais que 3 milhões de dólares. O gerente então explicou que o limite máximo de aposta seria ultrapassado segundo as normas da casa, mas a estas alturas o público estava enlouquecido com o rapaz sortudo. Clamavam por ver a aposta maravilhosa dos 85 mil dólares em busca do milionário prêmio.
Para evitar a total paralisação da casa devido ao tumulto que se formou, o gerente decidiu então abrir uma exceção ao rapaz desde que fosse sua última aposta. Após o acordo, a roleta rodou. Girou, girou, até que a bolinha caprichosamente parou no número.... doze. Ele errou. E perdeu tudo.
Ao chegar novamente no quarto, encontrou sua esposa saindo do banho. Ela lhe disse:
-- E aí? Como foi lá?
Ao que ele respondeu:
-- Deu em nada. Perdi os dois dólares.
Tocando neste assunto...
Dentre as boas coisas que a vida me brindou, passar pela Linha Vermelha todo dia para ir trabalhar com certeza está de fora. Uma via expressa com este nome já diz tudo. Sempre engarrafada, cheia de acidentes, contenções... Isto em si não constitui o problema. O mal é que toda manhã e início de noite eu estou no meio desta confusão. A Linha Vermelha, em parceria com a função Snooze do meu despertador, é a principal culpada dos meus atrasos no trabalho.
Estes dias acordei já meio atrasado e quando reparei a quantidade excessiva de carros nas ruas, já concluí que chegaria este dia muito atrasado. Em pouco tempo, o trânsito parou. Depois de várias trocas de marchas entre primeira e segunda, de maneira involuntária, exclamei:
-- Deus, Deus! Livre-me deste trânsito, pelo menos hoje! Preciso chegar na hora!
Coincidentemente, a minha fila de carros -- das quatro existentes -- começou a andar. As filas vizinhas permaneceram paradas. Pensei: "Puxa, que sorte! Só esta fila está andando...". Logo a frente, no entanto, dava para ver que a minha fila pararia e que seria a vez da fila ao lado andar. Rapidamente, aproveitando uma distância de um carro a outro nesta outra fila, espremi meu carro entre eles. Nem precisei parar pois a fila logo se movimentou e permaneceu assim por um bom trecho.
Ao antever que ela pararia, mais uma vez tive a oportunidade de passar para uma fila ao lado. Esta fila andou apenas um pouco, no entanto consegui passar para a faixa ainda mais ao lado para pegar uma fila que começou a se movimentar livremente. A costura no trânsito estava perfeitamente coordenada e meu carro não parava um momento se quer!
E assim foi: Linha Vermelha inteira, centro, viaduto perimetral... Sempre que parecia que eu havia chegado num beco sem saída, eis que um carro abria passagem e eu conseguia me emburacar. Num trânsito congestionado por um oceano de carros, eu era o único que conseguia fazer uma velocidade média de uns 50 km/h. Cheguei a passar ambulância e carro de polícia que se movimentavam por entre os carros abrindo passagem com suas sirenes. Eu não acreditava! Seria aquele pedido que eu tinha feito?! Se fosse, a história se repetia. No lugar de Moisés, era Fabiano. Ao invés de Mar Vermelho, era a Linha Vermelha. Tirei o atraso e, em tempo recorde, cheguei ao trabalho adiantado cinco minutos.
Na verdade, foi quase isto. Cheguei cinco minutos adiantado de fato, mas ao estacionamento particular onde deixo o carro. Neste dia, a cancela quebrou justamente quando eu era o próximo a entrar. Os técnicos da manutenção do estacionamento demoraram a aparecer para verificar e o tempo de conserto não fez por menos. Conclusão, acabei por chegar vinte minutos atrasado no escritório.
Logo que sentei na minha mesa, o meu chefe aparece.
-- E aí Fabiano, chegou atrasado hoje?
Eu já ia começar contando a estória toda, mas então respondi:
-- É.... perdi os dois dólares.
Tratava-se de um cara viciado em jogos cujo sonho era se casar justamente em Las Vegas. Logo que chegou ao hotel, no qual funcionava um grande cassino, o jovem noivo desceu com a noiva para jogarem roleta (vai entender). Mas o rapaz jogou tão pesada e desastrosamente, que seus cinco mil dólares destinados a brincar no cassino em seus dias de lua de mel se foram nas duas horas de jogo do primeiro dia de sua estadia.
Desconsolado, subiu com a noiva para o quarto enquanto esta tentava animá-lo. Ao entrar pela porta, porém, foi tomado por uma estranha sensação de que a sorte havia mudado. Mesmo sem acreditar, a moça permitiu ao rapaz que descesse novamente para terminar de arriscar os dois últimos dólares que restara na carteira do recém-marido.
Ao receber duas fichas pela troca, apostou-as no número 14 da roleta. Ela girou, girou e -- quem diria -- parou no 14! Ele ganhou então 70 fichas pelo palpite certeiro e tratou de apostar novamente todas suas fichas num único número, o vinte e sete desta vez. A bolinha rodou, rodou, e... vinte e sete! O rapaz ganhou 2450 fichas e, mais uma vez, apostou tudo num único número. A plateia foi ao delírio quando testemunharam novamente o rapaz acertar em cheio o número 30, resultando em aproximadamente 85 mil dólares de ganhos, em vinte minuto de jogo!
Quando ele colocou todas as fichas no número 7, o gerente foi chamado. Se ele ganhasse, o prêmio seria de nada menos nada mais que 3 milhões de dólares. O gerente então explicou que o limite máximo de aposta seria ultrapassado segundo as normas da casa, mas a estas alturas o público estava enlouquecido com o rapaz sortudo. Clamavam por ver a aposta maravilhosa dos 85 mil dólares em busca do milionário prêmio.
Para evitar a total paralisação da casa devido ao tumulto que se formou, o gerente decidiu então abrir uma exceção ao rapaz desde que fosse sua última aposta. Após o acordo, a roleta rodou. Girou, girou, até que a bolinha caprichosamente parou no número.... doze. Ele errou. E perdeu tudo.
Ao chegar novamente no quarto, encontrou sua esposa saindo do banho. Ela lhe disse:
-- E aí? Como foi lá?
Ao que ele respondeu:
-- Deu em nada. Perdi os dois dólares.
Tocando neste assunto...
Dentre as boas coisas que a vida me brindou, passar pela Linha Vermelha todo dia para ir trabalhar com certeza está de fora. Uma via expressa com este nome já diz tudo. Sempre engarrafada, cheia de acidentes, contenções... Isto em si não constitui o problema. O mal é que toda manhã e início de noite eu estou no meio desta confusão. A Linha Vermelha, em parceria com a função Snooze do meu despertador, é a principal culpada dos meus atrasos no trabalho.
Estes dias acordei já meio atrasado e quando reparei a quantidade excessiva de carros nas ruas, já concluí que chegaria este dia muito atrasado. Em pouco tempo, o trânsito parou. Depois de várias trocas de marchas entre primeira e segunda, de maneira involuntária, exclamei:
-- Deus, Deus! Livre-me deste trânsito, pelo menos hoje! Preciso chegar na hora!
Coincidentemente, a minha fila de carros -- das quatro existentes -- começou a andar. As filas vizinhas permaneceram paradas. Pensei: "Puxa, que sorte! Só esta fila está andando...". Logo a frente, no entanto, dava para ver que a minha fila pararia e que seria a vez da fila ao lado andar. Rapidamente, aproveitando uma distância de um carro a outro nesta outra fila, espremi meu carro entre eles. Nem precisei parar pois a fila logo se movimentou e permaneceu assim por um bom trecho.
Ao antever que ela pararia, mais uma vez tive a oportunidade de passar para uma fila ao lado. Esta fila andou apenas um pouco, no entanto consegui passar para a faixa ainda mais ao lado para pegar uma fila que começou a se movimentar livremente. A costura no trânsito estava perfeitamente coordenada e meu carro não parava um momento se quer!
E assim foi: Linha Vermelha inteira, centro, viaduto perimetral... Sempre que parecia que eu havia chegado num beco sem saída, eis que um carro abria passagem e eu conseguia me emburacar. Num trânsito congestionado por um oceano de carros, eu era o único que conseguia fazer uma velocidade média de uns 50 km/h. Cheguei a passar ambulância e carro de polícia que se movimentavam por entre os carros abrindo passagem com suas sirenes. Eu não acreditava! Seria aquele pedido que eu tinha feito?! Se fosse, a história se repetia. No lugar de Moisés, era Fabiano. Ao invés de Mar Vermelho, era a Linha Vermelha. Tirei o atraso e, em tempo recorde, cheguei ao trabalho adiantado cinco minutos.
Na verdade, foi quase isto. Cheguei cinco minutos adiantado de fato, mas ao estacionamento particular onde deixo o carro. Neste dia, a cancela quebrou justamente quando eu era o próximo a entrar. Os técnicos da manutenção do estacionamento demoraram a aparecer para verificar e o tempo de conserto não fez por menos. Conclusão, acabei por chegar vinte minutos atrasado no escritório.
Logo que sentei na minha mesa, o meu chefe aparece.
-- E aí Fabiano, chegou atrasado hoje?
Eu já ia começar contando a estória toda, mas então respondi:
-- É.... perdi os dois dólares.
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Dó, ré, mi, fácil?
Quando eu estava no ginásio, a escola inventou de organizar uma fanfarra. Eu fiquei muito animado com a ideia! Eu gosto de música desde criança. Até toco (mal, é verdade) alguns instrumentos. De imediato, tive a certeza de que queria participar. Apesar de ter ficado profundamente decepcionado ao saber que numa fanfarra não havia guitarras, procurei outro instrumento que me agradasse no formulário de inscrição. Por saber um pouco de flauta, achei que corneta seria algo, digamos, da mesma família. E foi assim que eu me apliquei a corneta na fanfarra do colégio.
Fiquei muito orgulhoso quando a aprovação da minha inscrição chegou. Lembro que eu queria saber quem seriam os outros quatro ou cinco integrantes da "banda", mal sabendo que seriam, na verdade, outros oitenta. Não seria, portanto, uma banda exatamente do jeito que eu imaginava, mas isto não comprometeu o meu entusiasmo.
No dia do primeiro ensaio, o pessoal da corneta entrou em fila para receber o instrumento. Quando chegou a minha vez, entendi o cara dizer: "Você é Fabiano?". Ao dizer que sim, recebi uma corneta em Fá. (Na verdade, ele me perguntou "Você é Fá?" e eu ouvi demais). Tudo bem, como eu nem sabia que existiam cornetas em Si bemol e Fá, qualquer uma estava valendo. O problema é que o som na corneta em Fá é mais difícil de tirar do que na outra. Pelo menos, é acreditando nisso que até hoje tento me perdoar por nunca, nem por um breve momento, ter conseguido tirar um som daquela maldita corneta!
No primeiro ensaio, o maestro ensinou rapidamente como fazer a embocadura para assoprar corretamente. Depois, pediu para que todos tentassem fazer qualquer tipo de som. A maioria conseguiu, mas um grupo relativamente grande não. Ele disse para não se preocupar, que com o passar dos ensaios as pessoas iriam conseguindo.
Ele estava certo. O grupo foi diminuindo, diminuindo, até sobrar, praticamente... eu. Aquela paciência inicial, acompanhada do discurso de que é normal não conseguir tocar corneta no começo e coisa e tal, foi se transformando numa completa indiferença do maestro e depois também dos colegas de turma. Eu estava me tornando uma espécie de patinho feio da fanfarra. Eu odiei tanto aquela corneta, que dei graças quando descobri que era possível sair da fanfarra sem prejudicar a nota (a fanfarra valia como matéria extra-curricular). Com muito pesar, e creio que alegria do resto do grupo, abandonei.
Não consigo evitar de pensar na analogia de que algumas pessoas, infelizmente, não conseguem tirar som de suas cornetas "naturais". Por algum problema nas cordas vocais, ou seja lá onde for, não conseguem falar. E, apenas por conta disso, é impressionante como suas vidas ficam limitadas dentro da sociedade. O nosso mundo é desenhado para os perfeitos. Em certo sentido, embora de forma muito simplificada, aquela corneta me fez passar por isso. Uma diferença é que lá foi fácil se ver livre do problema.
Tocando neste assunto...
Alguns anos depois, aprendi a tocar teclado. Logo que comecei a aprender, não pude deixar de notar o sintetizador de instrumento de número 42: corneta. A emoção foi grande ao tocar várias músicas muito mais difíceis do que aquelas da fanfarra em som de corneta. Mas esta emoção ficará reduzida a coisa alguma quando sintetizadores de vozes para pessoas com dificuldades de comunicação circularem por aí. Quem sabe, vendidos nas mesmas lojas onde se encontram os teclados.
Fiquei muito orgulhoso quando a aprovação da minha inscrição chegou. Lembro que eu queria saber quem seriam os outros quatro ou cinco integrantes da "banda", mal sabendo que seriam, na verdade, outros oitenta. Não seria, portanto, uma banda exatamente do jeito que eu imaginava, mas isto não comprometeu o meu entusiasmo.
No dia do primeiro ensaio, o pessoal da corneta entrou em fila para receber o instrumento. Quando chegou a minha vez, entendi o cara dizer: "Você é Fabiano?". Ao dizer que sim, recebi uma corneta em Fá. (Na verdade, ele me perguntou "Você é Fá?" e eu ouvi demais). Tudo bem, como eu nem sabia que existiam cornetas em Si bemol e Fá, qualquer uma estava valendo. O problema é que o som na corneta em Fá é mais difícil de tirar do que na outra. Pelo menos, é acreditando nisso que até hoje tento me perdoar por nunca, nem por um breve momento, ter conseguido tirar um som daquela maldita corneta!
No primeiro ensaio, o maestro ensinou rapidamente como fazer a embocadura para assoprar corretamente. Depois, pediu para que todos tentassem fazer qualquer tipo de som. A maioria conseguiu, mas um grupo relativamente grande não. Ele disse para não se preocupar, que com o passar dos ensaios as pessoas iriam conseguindo.
Ele estava certo. O grupo foi diminuindo, diminuindo, até sobrar, praticamente... eu. Aquela paciência inicial, acompanhada do discurso de que é normal não conseguir tocar corneta no começo e coisa e tal, foi se transformando numa completa indiferença do maestro e depois também dos colegas de turma. Eu estava me tornando uma espécie de patinho feio da fanfarra. Eu odiei tanto aquela corneta, que dei graças quando descobri que era possível sair da fanfarra sem prejudicar a nota (a fanfarra valia como matéria extra-curricular). Com muito pesar, e creio que alegria do resto do grupo, abandonei.
Não consigo evitar de pensar na analogia de que algumas pessoas, infelizmente, não conseguem tirar som de suas cornetas "naturais". Por algum problema nas cordas vocais, ou seja lá onde for, não conseguem falar. E, apenas por conta disso, é impressionante como suas vidas ficam limitadas dentro da sociedade. O nosso mundo é desenhado para os perfeitos. Em certo sentido, embora de forma muito simplificada, aquela corneta me fez passar por isso. Uma diferença é que lá foi fácil se ver livre do problema.
Tocando neste assunto...
Alguns anos depois, aprendi a tocar teclado. Logo que comecei a aprender, não pude deixar de notar o sintetizador de instrumento de número 42: corneta. A emoção foi grande ao tocar várias músicas muito mais difíceis do que aquelas da fanfarra em som de corneta. Mas esta emoção ficará reduzida a coisa alguma quando sintetizadores de vozes para pessoas com dificuldades de comunicação circularem por aí. Quem sabe, vendidos nas mesmas lojas onde se encontram os teclados.
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Jogo de cintura é importante, mesmo que não seja para dançar
Não há situação embaraçosa que não possa ser resolvida com um bom jogo de cintura. Pelo menos, é o que aprendi observando alguns exemplos. O caso do meu amigo Diego é simples, mas interessante.
Uma amiga minha trabalhava numa destas empresas que organiza aplicação de provas em massa, isto é, provas que são aplicadas simultaneamente em várias cidades e, em cada cidade, potencialmente em diversos pontos. O cliente principal deste tipo de serviço é o governo, que precisa organizar concursos públicos, vestibulares, etc. É claro que o fator de preocupação fundamental neste tipo de evento é manter a integridade da aplicação da prova, evitando-se qualquer espécie de fraude. Neste propósito, a idoneidade dos fiscais de provas é de suma importância. Exatamente por isso, a política desta empresa é fornecer os cargos de fiscais apenas aos funcionários e aqueles por eles indicados (pessoal externo é necessário dado que nem se todos os funcionários da empresa fossem fiscais daria conta de uma aplicação de concurso público federal, por exemplo). Para ajudar esta minha amiga, e sem ter nada planejado para o próximo domingo de manhã, me comprometi a ser um fiscal de uma prova de vestibular.
O Diego era um cara bacana. Morava comigo, em república. Tinha mil e uma ocupações. Chegou a trabalhar no comitê do Pan. Era diretor da empresa-júnior da faculdade. Era consultor de vendas. O único problema, pelo menos no meu ponto de vista, era que todos estes empregos dele eram estágios não-remunerados. Ele trabalhava numa espécie de obra beneficente aos capitalistas. Não sei se ele percebia, mas esta era uma causa de ele estar sempre na pindaíba. Como ele era um cara de confiança, pedi à minha amiga para indicá-lo como fiscal. Por um pouco de tempo do domingo, ganhava-se uma grana razoável. Fui logo avisando a ele que se tratava de um emprego remunerado -- para o caso em que ele tivesse algo contra por princípio -- mas ele prontamente aceitou o convite.
Lembro que o Diego ficou meio preocupado com a atribuição. Perguntou-me mil vezes como era o procedimento. Deixo um candidato ir ao banheiro? Deixo ficarem com celular em cima da mesa? Devo abrir o pacote da prova ou pedir alguém que o faça? Devo ficar com a identidade de cada um retida durante a prova? Devo circular pela sala ou isto atrapalha a concentração do pessoal? O nervosismo dele aumentou ainda mais quando ele soube que tínhamos sido atribuídos a salas distintas.
Chegou o dia, fomos juntos até o local da prova. De lá, cada um partiu para sua sala. Depois da prova nos encontramos na saída e, durante o caminho para o almoço, ele me contou a experiência dele.
Eu imaginei logo a cara de tacho que ele deve ter feito. E a situação embaraçosa que ele deve ter ficado, ainda mais ele que estava todo preocupado em não transparecer que era fiscal de primeira viagem.
-- E então, o que você fez? -- perguntei-lhe, curioso.
Ele disse:
-- Eu disse de bate-pronto: "Estou falando por enquanto somente com aqueles que não estudaram e terão que chutar mesmo. Boa sorte!"
Boa saída, não?
Tocando neste assunto...
Outro dia, um amigo de trabalho foi chamado pelo chefe. Ele -- o chefe -- estava preocupado com a concorrência.
-- Fulano -- indagou o chefe -- o concorrente afirma que o sistema deles garante 99.9% de disponibilidade. A gente consegue isto??
Trabalhamos com desenvolvimento de software. Nesta área, garantir uma boa taxa de disponibilidade é fundamental. Todo mundo já deve ter se irritado com um atendente informando: "Senhor, infelizmente eu não poderei atendê-lo pois o meu sistema está fora do ar". Garantir um índice de 99.9% de disponibilidade (haja o que houver, o sistema deve funcionar em 99.9% das vezes) é tarefa bastante árdua. O que responder ao chefe?
O meu amigo respondeu assim:
-- Atualmente não temos este índice. Mas se quisermos, é fácil: a gente desliga os servidores de vez em quando.
Uma amiga minha trabalhava numa destas empresas que organiza aplicação de provas em massa, isto é, provas que são aplicadas simultaneamente em várias cidades e, em cada cidade, potencialmente em diversos pontos. O cliente principal deste tipo de serviço é o governo, que precisa organizar concursos públicos, vestibulares, etc. É claro que o fator de preocupação fundamental neste tipo de evento é manter a integridade da aplicação da prova, evitando-se qualquer espécie de fraude. Neste propósito, a idoneidade dos fiscais de provas é de suma importância. Exatamente por isso, a política desta empresa é fornecer os cargos de fiscais apenas aos funcionários e aqueles por eles indicados (pessoal externo é necessário dado que nem se todos os funcionários da empresa fossem fiscais daria conta de uma aplicação de concurso público federal, por exemplo). Para ajudar esta minha amiga, e sem ter nada planejado para o próximo domingo de manhã, me comprometi a ser um fiscal de uma prova de vestibular.
O Diego era um cara bacana. Morava comigo, em república. Tinha mil e uma ocupações. Chegou a trabalhar no comitê do Pan. Era diretor da empresa-júnior da faculdade. Era consultor de vendas. O único problema, pelo menos no meu ponto de vista, era que todos estes empregos dele eram estágios não-remunerados. Ele trabalhava numa espécie de obra beneficente aos capitalistas. Não sei se ele percebia, mas esta era uma causa de ele estar sempre na pindaíba. Como ele era um cara de confiança, pedi à minha amiga para indicá-lo como fiscal. Por um pouco de tempo do domingo, ganhava-se uma grana razoável. Fui logo avisando a ele que se tratava de um emprego remunerado -- para o caso em que ele tivesse algo contra por princípio -- mas ele prontamente aceitou o convite.
Lembro que o Diego ficou meio preocupado com a atribuição. Perguntou-me mil vezes como era o procedimento. Deixo um candidato ir ao banheiro? Deixo ficarem com celular em cima da mesa? Devo abrir o pacote da prova ou pedir alguém que o faça? Devo ficar com a identidade de cada um retida durante a prova? Devo circular pela sala ou isto atrapalha a concentração do pessoal? O nervosismo dele aumentou ainda mais quando ele soube que tínhamos sido atribuídos a salas distintas.
Chegou o dia, fomos juntos até o local da prova. De lá, cada um partiu para sua sala. Depois da prova nos encontramos na saída e, durante o caminho para o almoço, ele me contou a experiência dele.
"Cara, você não sabe o que eu fiz. Eu já tinha conferido isto, aquilo, e mais aquilo outro, quando chegaram os formulários de respostas [aqueles nos quais os candidatos marcam o X para cada questão]. Abri o pacote e distribuí uma folha de respostas para cada candidato. Feito isto, me dirigi ao quadro-negro da sala e anotei de giz "Hora de Início: 08h03; Hora de Término: 12h03" e, voltando-me para a turma, ordenei: "Podem começar."
Ninguém agiu freneticamente para começar logo a prova, como eu esperei que fosse acontecer. Ao contrário, ficaram me olhando, meio sem entender o que deveriam fazer. Eu insisti: "Boa prova! Podem começar."
A indiferença geral se manteve. Alguém finalmente se manifestou:
-- E a prova? Onde ela está?
Só aí eu notei o vacilo: eu só tinha recebido os cartões de resposta. A prova ainda não tinha chegado."
Eu imaginei logo a cara de tacho que ele deve ter feito. E a situação embaraçosa que ele deve ter ficado, ainda mais ele que estava todo preocupado em não transparecer que era fiscal de primeira viagem.
-- E então, o que você fez? -- perguntei-lhe, curioso.
Ele disse:
-- Eu disse de bate-pronto: "Estou falando por enquanto somente com aqueles que não estudaram e terão que chutar mesmo. Boa sorte!"
Boa saída, não?
Tocando neste assunto...
Outro dia, um amigo de trabalho foi chamado pelo chefe. Ele -- o chefe -- estava preocupado com a concorrência.
-- Fulano -- indagou o chefe -- o concorrente afirma que o sistema deles garante 99.9% de disponibilidade. A gente consegue isto??
Trabalhamos com desenvolvimento de software. Nesta área, garantir uma boa taxa de disponibilidade é fundamental. Todo mundo já deve ter se irritado com um atendente informando: "Senhor, infelizmente eu não poderei atendê-lo pois o meu sistema está fora do ar". Garantir um índice de 99.9% de disponibilidade (haja o que houver, o sistema deve funcionar em 99.9% das vezes) é tarefa bastante árdua. O que responder ao chefe?
O meu amigo respondeu assim:
-- Atualmente não temos este índice. Mas se quisermos, é fácil: a gente desliga os servidores de vez em quando.
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Bingo!
Era meados de julho de 1988. A minha mãe se preparava no quarto para sair enquanto eu, já pronto, pacientemente a esperava na sala. Era dia de bingo na minha escola, evento em que todas as mães eram literalmente convocadas a irem com seus filhos. O motivo era a festa Julina que estava chegando. Todos os anos, a escola promovia uma série de eventos, na qual o bingo estava incluído, para arrecadar fundos suficientes para uma comemoração de festa Julina. Eu, particularmente, não achava graça no bingo. Mas adorava a festa e, portanto, o bingo era uma chatice necessária. E lá fomos nós.
Após o término do bingo, ao levantarmos todos para irmos embora, as crianças começaram a jogar uns nos outros os grãos de milho que estávamos usando para marcar nas cartelas. Viravam nas mãos o pote com os grãos e jogavam para todo lado. Eu achei o máximo, como qualquer criança (ou, mais precisamente, qualquer menino). Enchi minha mão de milho e, com toda força, VAPT... joguei. Não gosto nem de me lembrar dos momentos que se seguiram.
Infelizmente, a minha rajada de milho encontrou diretamente o olho direito do Rodnei. Após se recuperar do incômodo que aquelas dezenas de grãozinhos de milho lhe trouxeram, ele se virou para mim e, num tom ameaçador, gritou de onde se encontrava, sentado ao lado de sua mãe alguns metros afastado da minha mesa:
-- Rapaz, você não sabe a encrenca em que se meteu. Segunda-feira eu te pego! Na entrada, pois não vou aguentar ter que esperar até chegar o horário da saída!
Rodnei era o mais temido dos garotos da quarta-série. Ele tinha cara de mau, era mais forte que os demais, maior e gostava de brigar na saída. Ele era o tipo de cara que chegava e acabava com a brincadeira da moçada mais nova por puro prazer, só para se sentir o bonzão. Sempre que eu via os filmes do Van Damme, imaginava que o chefão do mau quando criança era como o Rodnei. De sobra, confesso ainda que imaginava que o Van Damme deveria ser, assim, como eu. Embora estivesse muito errado na segunda colocação, na primeira certamente eu estava certo.
O meu melhor amigo na época, que se sentou ao meu lado no bingo, era um dos caras mais fortes da escola. Para terem uma idéia, atualmente ele trabalha como segurança particular, ou algo do ramo. Como meu melhor amigo, logo pensei, talvez ele comprasse a briga e me tirasse desta. Aliviei-me um pouco quando ele rapidamente gritou de volta ao Rodnei:
-- Eu ?!
Foi o que ele disse. Ele estava do meu lado e achou que o Rodnei havia o ameaçado do nada. Não era exatamente o que eu pensei que ele diria.
-- Não -- retrucou Rodnei. Este magrinho que está do seu lado, que me jogou o milho!
-- Ufa! Graças a Deus!, exclamou o meu amigo.
Se ele que era ele havia se sentido aliviado em não ser o objeto da ameaça do Rodnei, era o meu verdadeiro fim.
O fim de semana passou rápido demais. Segunda de manhã, enquanto via minha mãe aprontando as coisas para ela me levar à escola, eu disse a ela:
-- Mãe, estou com dor de garganta.
Plano infalível. Minha mãe nunca me deixava ir na escola com dor de garganta. Tive que gargarejar sal com vinagre o dia todo, mas valeu à pena. Obviamente, não percebi que o plano funcionaria apenas a curto-prazo. Minha mãe logo notou que havia algo de errado com aquela dor de garganta que nunca sarava. Ainda mais quando o médico constatou que não havia nada de errado com a minha garganta.
-- Fabiano, o que está acontecendo? Por que você não quer ir na escola?
Foi aí que eu contei para ela o ocorrido. Ela me repreendeu por não ter contado antes o problema e me disse para eu ficar despreocupado, que ela iria conversar com este tal de Rodnei.
No dia seguinte, chegamos mais cedo ao colégio, para esperar ele chegar. Depois de algum tempo, lá vem ele, descendo a rua do colégio, rodando peão. Enquanto ele se aproximava, não podia deixar de pensar que era questão de tempo até a ponta fina daquele peão estivesse cravada no meu pé. E isto porque eu estava usando Kichute, pois caso contrário, o peão todo deveria atravessar o meu pé. Quando ele se aproximou, acompanhado de sua mãe que o trazia à escola, minha mãe os abordou:
-- Bom dia senhora, a senhora é a mãe do Rodnei?
-- Sim, sou...
-- Eu sou a mãe do Fabiano e aconteceu que na última sexta... -- e contou tudo.
-- Rodnei! - gritou ela com o filho -- você disse que bateria no garoto?
-- Não mãe, foi só na hora que falei isso. Eu não ia fazer isso não!
-- Pois ai de você se a mãe dele me procurar depois dizendo que você encostou o dedo nele. Você vai apanhar de correia!
Minha mãe agradeceu a compreensão da senhora, me deixou no colégio, e entramos para a escola, Rodnei e eu. No início, eu evitava o caminho quando via o Rodnei dentro da escola. Depois, vendo que ele realmente havia se esquecido do incidente, perdi o receio.
Esta estória toda sempre me vem à mente quando ouço casos de barbáries na TV. Logo penso como o mundo seria melhor se os problemas fossem resolvidos assim como o meu foi. Imagino um delegado de polícia dizendo aos pais de um bandido:
-- O seu filho é suspeito de assaltar um jovem a mão armada!
-- Filho, não acredito, você está maluco? Senhor -- diz o pai, voltando-se para o delegado -- pode ter certeza que isto não vai ocorrer mais. Ou então Fulano -- voltando-se para o filho -- você vai apanhar de correia!
-- Não pai, correia não!
E pronto, o problema acabasse. Não seria tão mais simples? Como não é assim que as coisas funcionam, e dor de garganta não resolve o problema por muito tempo, o jeito é prestar mais atenção aonde se joga o milho. Ou ser, de fato, um Van Damme.
Tocando neste assunto...
Nas últimas férias, passamos alguns dias num hotel do interior do estado do Rio, localizado numa área bem afastada da cidade. Ao chegar lá, logo percebemos que havia uma excursão de senhores e senhoras no hotel, algo como uma programação focada na terceira idade. O hotel promoveu, numa data noite, um bingo (claro, seria sucesso garantido). Como não se tinha muita coisa para fazer por lá naquela noite além do bingo, minha e esposa e eu resolvemos atender ao evento.
Eu, que nunca ganhei nada em bingo, ganhei os três primeiros prêmios. A minha filha achava o máximo toda vez que eu gritava "Bingo!". Como era a primeira vez que ela presenciava um, ela chegou a achar que a brincadeira era esta mesma: todo mundo reunido vendo o pai dela gritar bingo e levar o prêmio. Resolvi deixar para lá e desistimos do bingo, pois senti que eu ia estragar a noite daquelas senhoras.
Desde aquele incidente com o Rodnei, eu nunca mais tinha voltado a jogar bingo. Acho que naquela noite foi sorte acumulada.
Após o término do bingo, ao levantarmos todos para irmos embora, as crianças começaram a jogar uns nos outros os grãos de milho que estávamos usando para marcar nas cartelas. Viravam nas mãos o pote com os grãos e jogavam para todo lado. Eu achei o máximo, como qualquer criança (ou, mais precisamente, qualquer menino). Enchi minha mão de milho e, com toda força, VAPT... joguei. Não gosto nem de me lembrar dos momentos que se seguiram.
Infelizmente, a minha rajada de milho encontrou diretamente o olho direito do Rodnei. Após se recuperar do incômodo que aquelas dezenas de grãozinhos de milho lhe trouxeram, ele se virou para mim e, num tom ameaçador, gritou de onde se encontrava, sentado ao lado de sua mãe alguns metros afastado da minha mesa:
-- Rapaz, você não sabe a encrenca em que se meteu. Segunda-feira eu te pego! Na entrada, pois não vou aguentar ter que esperar até chegar o horário da saída!
Rodnei era o mais temido dos garotos da quarta-série. Ele tinha cara de mau, era mais forte que os demais, maior e gostava de brigar na saída. Ele era o tipo de cara que chegava e acabava com a brincadeira da moçada mais nova por puro prazer, só para se sentir o bonzão. Sempre que eu via os filmes do Van Damme, imaginava que o chefão do mau quando criança era como o Rodnei. De sobra, confesso ainda que imaginava que o Van Damme deveria ser, assim, como eu. Embora estivesse muito errado na segunda colocação, na primeira certamente eu estava certo.
O meu melhor amigo na época, que se sentou ao meu lado no bingo, era um dos caras mais fortes da escola. Para terem uma idéia, atualmente ele trabalha como segurança particular, ou algo do ramo. Como meu melhor amigo, logo pensei, talvez ele comprasse a briga e me tirasse desta. Aliviei-me um pouco quando ele rapidamente gritou de volta ao Rodnei:
-- Eu ?!
Foi o que ele disse. Ele estava do meu lado e achou que o Rodnei havia o ameaçado do nada. Não era exatamente o que eu pensei que ele diria.
-- Não -- retrucou Rodnei. Este magrinho que está do seu lado, que me jogou o milho!
-- Ufa! Graças a Deus!, exclamou o meu amigo.
Se ele que era ele havia se sentido aliviado em não ser o objeto da ameaça do Rodnei, era o meu verdadeiro fim.
O fim de semana passou rápido demais. Segunda de manhã, enquanto via minha mãe aprontando as coisas para ela me levar à escola, eu disse a ela:
-- Mãe, estou com dor de garganta.
Plano infalível. Minha mãe nunca me deixava ir na escola com dor de garganta. Tive que gargarejar sal com vinagre o dia todo, mas valeu à pena. Obviamente, não percebi que o plano funcionaria apenas a curto-prazo. Minha mãe logo notou que havia algo de errado com aquela dor de garganta que nunca sarava. Ainda mais quando o médico constatou que não havia nada de errado com a minha garganta.
-- Fabiano, o que está acontecendo? Por que você não quer ir na escola?
Foi aí que eu contei para ela o ocorrido. Ela me repreendeu por não ter contado antes o problema e me disse para eu ficar despreocupado, que ela iria conversar com este tal de Rodnei.
No dia seguinte, chegamos mais cedo ao colégio, para esperar ele chegar. Depois de algum tempo, lá vem ele, descendo a rua do colégio, rodando peão. Enquanto ele se aproximava, não podia deixar de pensar que era questão de tempo até a ponta fina daquele peão estivesse cravada no meu pé. E isto porque eu estava usando Kichute, pois caso contrário, o peão todo deveria atravessar o meu pé. Quando ele se aproximou, acompanhado de sua mãe que o trazia à escola, minha mãe os abordou:
-- Bom dia senhora, a senhora é a mãe do Rodnei?
-- Sim, sou...
-- Eu sou a mãe do Fabiano e aconteceu que na última sexta... -- e contou tudo.
-- Rodnei! - gritou ela com o filho -- você disse que bateria no garoto?
-- Não mãe, foi só na hora que falei isso. Eu não ia fazer isso não!
-- Pois ai de você se a mãe dele me procurar depois dizendo que você encostou o dedo nele. Você vai apanhar de correia!
Minha mãe agradeceu a compreensão da senhora, me deixou no colégio, e entramos para a escola, Rodnei e eu. No início, eu evitava o caminho quando via o Rodnei dentro da escola. Depois, vendo que ele realmente havia se esquecido do incidente, perdi o receio.
Esta estória toda sempre me vem à mente quando ouço casos de barbáries na TV. Logo penso como o mundo seria melhor se os problemas fossem resolvidos assim como o meu foi. Imagino um delegado de polícia dizendo aos pais de um bandido:
-- O seu filho é suspeito de assaltar um jovem a mão armada!
-- Filho, não acredito, você está maluco? Senhor -- diz o pai, voltando-se para o delegado -- pode ter certeza que isto não vai ocorrer mais. Ou então Fulano -- voltando-se para o filho -- você vai apanhar de correia!
-- Não pai, correia não!
E pronto, o problema acabasse. Não seria tão mais simples? Como não é assim que as coisas funcionam, e dor de garganta não resolve o problema por muito tempo, o jeito é prestar mais atenção aonde se joga o milho. Ou ser, de fato, um Van Damme.
Tocando neste assunto...
Nas últimas férias, passamos alguns dias num hotel do interior do estado do Rio, localizado numa área bem afastada da cidade. Ao chegar lá, logo percebemos que havia uma excursão de senhores e senhoras no hotel, algo como uma programação focada na terceira idade. O hotel promoveu, numa data noite, um bingo (claro, seria sucesso garantido). Como não se tinha muita coisa para fazer por lá naquela noite além do bingo, minha e esposa e eu resolvemos atender ao evento.
Eu, que nunca ganhei nada em bingo, ganhei os três primeiros prêmios. A minha filha achava o máximo toda vez que eu gritava "Bingo!". Como era a primeira vez que ela presenciava um, ela chegou a achar que a brincadeira era esta mesma: todo mundo reunido vendo o pai dela gritar bingo e levar o prêmio. Resolvi deixar para lá e desistimos do bingo, pois senti que eu ia estragar a noite daquelas senhoras.
Desde aquele incidente com o Rodnei, eu nunca mais tinha voltado a jogar bingo. Acho que naquela noite foi sorte acumulada.
segunda-feira, 23 de maio de 2011
O tempo passa, o tempo voa!...
Nem parece, mas faz hoje um ano desde a minha primeira postagem (nota para os distraídos: isto é uma outra maneira de dizer que o blog está comemorando o seu primeiro aniversário). Eu não iria escrever nada, mas devido ao aniversário e toda aquela estória de "não passar em branco", achei que deveria escrever alguma coisa.
Bom, já que comecei, farei uma pequena consideração sobre o aniversário. Não que isto seja em si grande coisa, mas visa atender o humilde propósito de contar uma curiosidade. Há 365 dias atrás eu estava andando de carro pensando na vida (não é à toa que já dei umas batidas nas traseiras por aí) e cheguei à conclusão de duas coisas importantes.
Primeiro, que a minha professora de português da quinta-série, professora Cláudia, estava certa. Se eu quisesse melhorar na comunicação, tanto escrita quanto falada, o caminho era treinar a escrita. Como eu estava voltando da universidade com um monte de revisões por fazer num texto de um artigo, concluí que eu estava errado nestes 20 anos em não procurar exercitar a escrita.
Além disso, ponderei que se eu morresse ali, naquele momento, o que seria da minha filha pequena, sem aquelas estórias que os filhos se cansam de ouvir dos pais? Estou me referindo sobre aquelas estórias incríveis (do ponto de vista dos pais) sobre como eles eram os tais na juventude. Ou seja, aquelas estórias todas distorcidas em relação aos reais acontecimentos. Ela ficaria além de sem herança, sem estas estórias para contarem a seus eventuais filhos (aquelas que começam com "o seu avô contava que..." que, para os netos, são como verdade absoluta). Achei que um blog cumpriria bem as duas preocupações. Já o problema da herança ainda está em aberto, pois a solução é mais complicada.
Tocando neste assunto...
Gostaria de agradecer a todos vocês pela leitura das postagens. Nunca imaginei que, além das minhas professoras que eram obrigadas a ler o que eu escrevia, alguém o faria por livre e espontânea vontade. Alguns, chegam ao cúmulo de repassar o texto a frente, sob risco de perderem os (per)seguidores virtuais (ou será que é justamente este o objetivo?!). Para mim, é motivo de muita honra. Agradeço pelas palavras de incentivo que às vezes chegam. Quando estou sem muita idéia sobre o que escrever, um comentário positivo parece que vem com uma anexada.
Bom, já que comecei, farei uma pequena consideração sobre o aniversário. Não que isto seja em si grande coisa, mas visa atender o humilde propósito de contar uma curiosidade. Há 365 dias atrás eu estava andando de carro pensando na vida (não é à toa que já dei umas batidas nas traseiras por aí) e cheguei à conclusão de duas coisas importantes.
Primeiro, que a minha professora de português da quinta-série, professora Cláudia, estava certa. Se eu quisesse melhorar na comunicação, tanto escrita quanto falada, o caminho era treinar a escrita. Como eu estava voltando da universidade com um monte de revisões por fazer num texto de um artigo, concluí que eu estava errado nestes 20 anos em não procurar exercitar a escrita.
Além disso, ponderei que se eu morresse ali, naquele momento, o que seria da minha filha pequena, sem aquelas estórias que os filhos se cansam de ouvir dos pais? Estou me referindo sobre aquelas estórias incríveis (do ponto de vista dos pais) sobre como eles eram os tais na juventude. Ou seja, aquelas estórias todas distorcidas em relação aos reais acontecimentos. Ela ficaria além de sem herança, sem estas estórias para contarem a seus eventuais filhos (aquelas que começam com "o seu avô contava que..." que, para os netos, são como verdade absoluta). Achei que um blog cumpriria bem as duas preocupações. Já o problema da herança ainda está em aberto, pois a solução é mais complicada.
Tocando neste assunto...
Gostaria de agradecer a todos vocês pela leitura das postagens. Nunca imaginei que, além das minhas professoras que eram obrigadas a ler o que eu escrevia, alguém o faria por livre e espontânea vontade. Alguns, chegam ao cúmulo de repassar o texto a frente, sob risco de perderem os (per)seguidores virtuais (ou será que é justamente este o objetivo?!). Para mim, é motivo de muita honra. Agradeço pelas palavras de incentivo que às vezes chegam. Quando estou sem muita idéia sobre o que escrever, um comentário positivo parece que vem com uma anexada.
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Lista de compras do supermercado
Eu sempre vou ao mesmo supermercado. E a causa fundamental não é o preço, o atendimento com cortesia, a limpeza das gôndolas ou a localização privilegiada. Eu retorno lá porque sempre sei onde encontrar cada produto que esteja procurando. Já decorei a organização dos produtos, que nunca muda. Eu não sei quanto a vocês, mas eu detesto ficar procurando um produto mercado a fora. Se eu tiver que fazê-lo, fico me perguntando durante a busca: "Será que daria para ficar sem isso até a próxima compra?", ou "Se eu deixasse de levar este item, será que a minha esposa perceberia?". O ideal seria que as respostas fossem “sim” e “não”. E, quase felizmente, é o que elas de fato são. O problema é que não respectivamente.
O chato de buscar um produto pelo mercado é que esta tarefa exige algum instinto natural para descobrir onde ele está -- o que realmente estou longe de possuir. Aquelas placas com a indicação da seção de compras de cada corredor são de uma tamanha inutilidade. Confesso que em parte a culpa disso é minha, dada a minha ignorância de vários termos técnicos de itens do dia-a-dia. Por exemplo, tenho dificuldades de definir precisamente o que vem a ser um alvejante. No entanto, ainda estou à espera de uma boa explicação para o sorvete não estar na seção de “Frios & Congelados”.
Tocando neste assunto...
Neste último feriado, o mercado estava fechado e tive que ir a outro. Estava eu numa destas buscas pelo mercado, quando meus pensamentos se voltaram há muitos anos atrás, quando eu era criança e o meu pai me levava com ele para fazer as compras de mês. Lembrei que costumava ser divertido: a gente ficava com a lista de compras que a minha mãe preparava numa folha de caderno e a minha tarefa era cortar os itens que já haviam sido encontrados. Na minha santa ingenuidade, eu nunca cortava o item “danone”, na esperança de voltar a este item no futuro e terminar por comprar a quantidade dobrada. Não eliminava o item para caso o meu pai não acreditasse (corretamente) que já o havíamos pegado e então pedir para dar uma olhada na lista. Apesar de estratégia engenhosa, ela nunca funcionou.
Em seguida, percebi que esta fase durou até a adolescência, quando parei de ir ao mercado com o meu pai. Mais precisamente, parei de ir ao mercado em geral. Eu já não via muita graça de ficar andando no mercado cortando itens em uma lista, e muito menos graça em trocar o futebol com os amigos por uma tarde no mercado. Só me lembro de voltar a entrar num mercado quando saí da casa dos meus pais e fui estudar em outra cidade, morando em república com amigos.
A compra naquela época era bem diferente. Tanto em termos de processo, quanto de escopo. Primeiramente, não haviam itens a serem eliminados de uma lista. Até por que, nem lista de compras havia. O procedimento era muito simples: fazer um passeio por todos os corredores do mercado e jogar para dentro o que interessasse. A segunda diferença era no escopo. A compra de itens gerais para a casa, como material de limpeza, ficava a cargo de um amigo fazer, para centralizar em alguém a responsabilidade de conhecer o estoque da casa. Logo, tais itens nunca estavam no meu radar. Basicamente, a coisa funcionava assim: se eu batia o olho e achava que aquilo potencialmente era gostoso, eu comprava. Acho que no meu carrinho daquela época nunca entrou cenoura, alface, ou repolho. Se entrou, mofou na geladeira, porque eu nunca comi. Vergonhoso, eu sei. Espero que meu médico nunca leia este texto para não saber deste meu passado negro.
Incomodado pelo frio que comecei a sentir, retornei destes pensamentos e me vi perdido entre as prateleiras geladas de iogurte, ainda sem ter encontrado o papel toalha que estava procurando. Reparei só agora que eu havia voltado às origens: lista de compras na mão e itens sendo "ticados". Achei bacana ter me lembrado daquela época. Aproveitando que estava ali, peguei logo o que estava especificado de iogurte antes de voltar ao bendito do papel toalha. Eu já ia indo cortar o novo achado da minha lista, quando me contive. Retornei à busca sem cortar o iogurte. Naquele dia, o meu plano haveria enfim de funcionar.
O chato de buscar um produto pelo mercado é que esta tarefa exige algum instinto natural para descobrir onde ele está -- o que realmente estou longe de possuir. Aquelas placas com a indicação da seção de compras de cada corredor são de uma tamanha inutilidade. Confesso que em parte a culpa disso é minha, dada a minha ignorância de vários termos técnicos de itens do dia-a-dia. Por exemplo, tenho dificuldades de definir precisamente o que vem a ser um alvejante. No entanto, ainda estou à espera de uma boa explicação para o sorvete não estar na seção de “Frios & Congelados”.
Tocando neste assunto...
Neste último feriado, o mercado estava fechado e tive que ir a outro. Estava eu numa destas buscas pelo mercado, quando meus pensamentos se voltaram há muitos anos atrás, quando eu era criança e o meu pai me levava com ele para fazer as compras de mês. Lembrei que costumava ser divertido: a gente ficava com a lista de compras que a minha mãe preparava numa folha de caderno e a minha tarefa era cortar os itens que já haviam sido encontrados. Na minha santa ingenuidade, eu nunca cortava o item “danone”, na esperança de voltar a este item no futuro e terminar por comprar a quantidade dobrada. Não eliminava o item para caso o meu pai não acreditasse (corretamente) que já o havíamos pegado e então pedir para dar uma olhada na lista. Apesar de estratégia engenhosa, ela nunca funcionou.
Em seguida, percebi que esta fase durou até a adolescência, quando parei de ir ao mercado com o meu pai. Mais precisamente, parei de ir ao mercado em geral. Eu já não via muita graça de ficar andando no mercado cortando itens em uma lista, e muito menos graça em trocar o futebol com os amigos por uma tarde no mercado. Só me lembro de voltar a entrar num mercado quando saí da casa dos meus pais e fui estudar em outra cidade, morando em república com amigos.
A compra naquela época era bem diferente. Tanto em termos de processo, quanto de escopo. Primeiramente, não haviam itens a serem eliminados de uma lista. Até por que, nem lista de compras havia. O procedimento era muito simples: fazer um passeio por todos os corredores do mercado e jogar para dentro o que interessasse. A segunda diferença era no escopo. A compra de itens gerais para a casa, como material de limpeza, ficava a cargo de um amigo fazer, para centralizar em alguém a responsabilidade de conhecer o estoque da casa. Logo, tais itens nunca estavam no meu radar. Basicamente, a coisa funcionava assim: se eu batia o olho e achava que aquilo potencialmente era gostoso, eu comprava. Acho que no meu carrinho daquela época nunca entrou cenoura, alface, ou repolho. Se entrou, mofou na geladeira, porque eu nunca comi. Vergonhoso, eu sei. Espero que meu médico nunca leia este texto para não saber deste meu passado negro.
Incomodado pelo frio que comecei a sentir, retornei destes pensamentos e me vi perdido entre as prateleiras geladas de iogurte, ainda sem ter encontrado o papel toalha que estava procurando. Reparei só agora que eu havia voltado às origens: lista de compras na mão e itens sendo "ticados". Achei bacana ter me lembrado daquela época. Aproveitando que estava ali, peguei logo o que estava especificado de iogurte antes de voltar ao bendito do papel toalha. Eu já ia indo cortar o novo achado da minha lista, quando me contive. Retornei à busca sem cortar o iogurte. Naquele dia, o meu plano haveria enfim de funcionar.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
O pedreiro que sabia demais
Era dia de prova de matemática na minha escola. O humor dos alunos se assemelhava muito com o dia chuvoso e cinzento que fazia lá fora. Eu estava na sexta-série do ginásio. Pela menção a 'ginásio', já se nota quanto tempo isso faz. A nomenclatura dos anos escolares mudou tanto desde então, que imagino que em breve os textos contendo esta palavra virão acompanhados de nota de rodapé, explicando: "(1) Ginásio: termo utilizado no final do século XX para se referir ao período escolar compreendido entre os anos quinto e oitavo pós-alfabetização".
Eu sempre tive muita facilidade com números. Existe um lado bom desta habilidade que é diferente em cada estágio de vida. O daquela época era que podia-se terminar a prova muito cedo e sair para o pátio, esperando os demais terminarem. Resultava, portanto, no benefício de se ter um segundo recreio, mais tempo para se brincar com os amigos (com alguns deles ao menos, dado que a maioria ficava agarrada fazendo a prova). A brincadeira padrão daquela época era futebol mas naquele dia, devido à água que descia do céu, ficamos no pátio coberto jogando conversa fora. Naturalmente, como toda conversa após uma prova, o papo logo se concentrou na discussão das questões.
Uma das questões gerou polêmica. Cada um tinha uma solução diferente, e um não conseguia convencer o outro de que sua solução era a correta. Como matemática se visualiza melhor no papel, procuramos algo com o que escrever para melhor discutirmos. Havia uma obra em andamento na escola e, perto da montanha de tijolos empilhados, encontramos alguns quebrados e pudemos usar algumas de suas lascas para escrever no chão. Qualquer criança já desenhou na rua com lascas de tijolos, creio eu, e portanto acredito que podem imaginar, de maneira muito precisa, a cena de várias crianças fazendo um monte de equações no chão.
Em meio a discussão, um pedreiro que estava trabalhando nas obras se aproximou.
-- Crianças, estive escutando vocês, posso me intrometer?
Gelamos. Não era para se pegar aquelas lascas de tijolos da pilha! Com certeza ia ter bronca. Talvez teríamos que além disso apagar o chão com baldes de água e esponja. O pedreiro continuou:
-- Acho que há um mal entendido. A questão pede para calcular o tempo que se leva para uma pessoa a superfície escutar uma pedra jogada ao fundo de um poço. Logo, deve-se considerar o tempo de queda da pedra, uma função inversamente quadrática em relação a sua altura, além do tempo de retorno do som ao ouvido da pessoa, que aí sim é uma função linear. Desde forma, -- neste momento, tomou a lasca de tijolo da mão de meu colega -- as equações de interesse podem ser assim descritas...
E assim ele continuou. Resolveu o problema no chão. Mostrou que haviam duas maneiras de resolver a questão. Achou graça em alguns aspectos da pergunta e de como ela nos enganou. Enquanto isso, todos estávamos paralisados. A ideia de um pedreiro fazendo aquilo era como se víssemos leite sendo derramado para cima, desafiando a gravidade. Era uma experiência diferente de todas as que já tínhamos tido na vida (que era curta naquele tempo, sem dúvidas, mas igualmente impactante se isto tivesse ocorrido hoje). Ele então percebeu que a chuva tinha parado e disse meio que mudando de assunto:
-- Crianças, preciso voltar ao trabalho, até mais!
Como não respondemos, ele achou estranho e em seguida concluiu o que de fato estava se passando nas nossas cabeças. Pensou um pouco e comentou antes de retomar suas obrigações:
-- Eu gostava muito de matemática. Meu pai era pedreiro, acabei seguindo seu caminho. Dá um bom dinheiro, ainda mais para quem não teve oportunidade de continuar estudando. Mas eu digo para vocês: se eu tivesse continuado, poderia ser engenheiro, igual aquele que vem aqui de vez em quando acompanhar a obra. Mas querem saber de uma coisa? Ser pedreiro é legal. Eu gosto de construir coisas. Assim como eu gostava da matemática.
E se foi. E, junto com ele, as nossas pré-concepções sobre o mundo.
Tocando neste assunto...
Estes dias escutei algo que não escutava desde a infância. Uma mãe disse ao filho, que julgo estar reclamando de ir a escola, que "quem não estuda vira lixeiro". A resposta mais adequada a esta sentença, na minha opinião, seria "E daí?".
Aquele pedreiro me ensinou que podemos até julgar um livro pela capa. Mas que façamos isso apenas com livros.
Eu sempre tive muita facilidade com números. Existe um lado bom desta habilidade que é diferente em cada estágio de vida. O daquela época era que podia-se terminar a prova muito cedo e sair para o pátio, esperando os demais terminarem. Resultava, portanto, no benefício de se ter um segundo recreio, mais tempo para se brincar com os amigos (com alguns deles ao menos, dado que a maioria ficava agarrada fazendo a prova). A brincadeira padrão daquela época era futebol mas naquele dia, devido à água que descia do céu, ficamos no pátio coberto jogando conversa fora. Naturalmente, como toda conversa após uma prova, o papo logo se concentrou na discussão das questões.
Uma das questões gerou polêmica. Cada um tinha uma solução diferente, e um não conseguia convencer o outro de que sua solução era a correta. Como matemática se visualiza melhor no papel, procuramos algo com o que escrever para melhor discutirmos. Havia uma obra em andamento na escola e, perto da montanha de tijolos empilhados, encontramos alguns quebrados e pudemos usar algumas de suas lascas para escrever no chão. Qualquer criança já desenhou na rua com lascas de tijolos, creio eu, e portanto acredito que podem imaginar, de maneira muito precisa, a cena de várias crianças fazendo um monte de equações no chão.
Em meio a discussão, um pedreiro que estava trabalhando nas obras se aproximou.
-- Crianças, estive escutando vocês, posso me intrometer?
Gelamos. Não era para se pegar aquelas lascas de tijolos da pilha! Com certeza ia ter bronca. Talvez teríamos que além disso apagar o chão com baldes de água e esponja. O pedreiro continuou:
-- Acho que há um mal entendido. A questão pede para calcular o tempo que se leva para uma pessoa a superfície escutar uma pedra jogada ao fundo de um poço. Logo, deve-se considerar o tempo de queda da pedra, uma função inversamente quadrática em relação a sua altura, além do tempo de retorno do som ao ouvido da pessoa, que aí sim é uma função linear. Desde forma, -- neste momento, tomou a lasca de tijolo da mão de meu colega -- as equações de interesse podem ser assim descritas...
E assim ele continuou. Resolveu o problema no chão. Mostrou que haviam duas maneiras de resolver a questão. Achou graça em alguns aspectos da pergunta e de como ela nos enganou. Enquanto isso, todos estávamos paralisados. A ideia de um pedreiro fazendo aquilo era como se víssemos leite sendo derramado para cima, desafiando a gravidade. Era uma experiência diferente de todas as que já tínhamos tido na vida (que era curta naquele tempo, sem dúvidas, mas igualmente impactante se isto tivesse ocorrido hoje). Ele então percebeu que a chuva tinha parado e disse meio que mudando de assunto:
-- Crianças, preciso voltar ao trabalho, até mais!
Como não respondemos, ele achou estranho e em seguida concluiu o que de fato estava se passando nas nossas cabeças. Pensou um pouco e comentou antes de retomar suas obrigações:
-- Eu gostava muito de matemática. Meu pai era pedreiro, acabei seguindo seu caminho. Dá um bom dinheiro, ainda mais para quem não teve oportunidade de continuar estudando. Mas eu digo para vocês: se eu tivesse continuado, poderia ser engenheiro, igual aquele que vem aqui de vez em quando acompanhar a obra. Mas querem saber de uma coisa? Ser pedreiro é legal. Eu gosto de construir coisas. Assim como eu gostava da matemática.
E se foi. E, junto com ele, as nossas pré-concepções sobre o mundo.
Tocando neste assunto...
Estes dias escutei algo que não escutava desde a infância. Uma mãe disse ao filho, que julgo estar reclamando de ir a escola, que "quem não estuda vira lixeiro". A resposta mais adequada a esta sentença, na minha opinião, seria "E daí?".
Aquele pedreiro me ensinou que podemos até julgar um livro pela capa. Mas que façamos isso apenas com livros.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Vendo a vida pelas lentes certas
Há muitos meses atrás, estávamos voltando de viagem -- nem me lembro mais de onde -- quando resolvemos dar uma parada em Búzios. O objetivo era passar uma tarde passeando pelo centro e visitar aquelas lojinhas que existem por lá. Além de haver tempo no nosso programa para uma parada, Búzios era caminho de volta mesmo, portanto não nos custava muito.
Logo que chegamos, demos de cara com uma loja que vendia óculos escuros. Aliás, vendia na verdade somente óculos escuros. Como eu estava precisando comprar um, resolvi entrar. Reparei que a loja era bem decorada e organizada e a vendedora logo se mostrou interessada em fazer um bom atendimento, o que me causou uma boa primeira impressão. Experimentei alguns e não demorou muito para encontrar um que era do jeito que queria. Caía bem no rosto, escurecia na medida em que eu achava ideal e tinha o design que eu gostava. Havia porém dois problemas: era relativamente caro e não tinha marca. Nenhuma. Nem aquelas marcas malucas que vemos por aí em tantos produtos genéricos, que parecem que foram decididas no momento da fabricação: "E aí Jorge, que marca colocamos agora neste outro tênis que fabricamos?" "Ah, sei lá, vamos escrever Naique?" "Demorou!" "E neste outro?" "Sem ideia... que tal Ultra Splash?" "Ficou legal, olhe só!"
Eu fiquei na dúvida se levava. Gastar um tanto razoável para levar algo cuja qualidade era duvidosa me deixou reticente. No fim, como tinha gostado da loja, acabei comprando. Ao sair, a vendedora ainda me disse: "Ah, esqueci de mencionar: estas lentes são polarizadas, evitando que fontes luminosas atrapalhem a visibilidade do motorista!".Será? Como eu já tinha pago e já estava de saída, não havia motivação para ele fornecer uma informação falsa. Por outro lado, como nem marca os óculos tinham, ficava difícil de acreditar.
O primeiro fato interessante que notei usando os novos óculos era que, no volante, ao se olhar os vidros das janelas laterais e traseira, eles pareciam ser formados de partes mais escuras e mais claras. Esta diferença de tonalidade não era aleatória. O padrão de claro-escuro se repetia uniformemente ao longo de cada vidro. Sem os óculos, estes mesmos vidros eram perfeitamente homogêneos. De fato, os óculos estavam de alguma forma levando a luminosidade em conta, o que interpretei como indício de que a compra tinha sido acertada.
Um segundo fato inusitado eu só percebi estes dias, o qual me motivou a escrever esta postagem. Subindo uma serra durante uma viagem, olhei de lado como de costume para admirar os mares de morros que existem por aqui, na nossa região do Rio. Ao longe, percebi um arco-íris fora do comum. Isto já tinha se repetido algumas vezes nos últimos tempos. Desta vez, devido a sua beleza diferente, resolvi fazer um comentário.
-- Nossa, que arco-íris bonito, veja só....
-- Que arco-íris? -- perguntou minha esposa.
-- Aquele, olhe lá.
-- Mas não tem nenhum arco-íris lá!
Quando tirei os óculos, puf! O arco-íris sumiu. Só então percebi que aqueles arco-íris que eu vinha vendo eram particulares. Não eram irreais, pois um arco-íris é simplesmente o produto que nos chega aos olhos de uma refração em algum meio da luz branca. No meu caso, esta refração estava ocorrendo nas lentes dos óculos, ao invés de ser nas usuais gotículas de água suspensas ao ar em dias de chuvas. Portanto, tratava-se um arco-íris legítimo, embora particular.
Creio que a felicidade possui certa analogia com isso. Existe na vida beleza que em geral é visível a todos. Porém, nem sempre a felicidade está assim tão visível. Às vezes, é necessário se usar lentes apropriadas para enxergar a sua beleza. E não se trata de se enganar: ver o lado positivo das coisas é, análogo ao arco-íris particular, tão autêntico quanto qualquer outra forma de felicidade. É como dizem: a beleza está nos olhos de quem vê.
Tocando neste assunto...
Passando pelo centro hoje, notei uma ótica que tinha um cartaz grande na frente: "Entre e teste a qualidade dos seus óculos escuros". Com a possibilidade de uma prova real da qualidade dos meus, entrei. A loja possuía uma máquina, que parecia um microscópio no qual uma luz branca atravessa a lente dos óculos sendo testados e, em alguns segundos, uma computador acoplado imprime os testes realizados, tais como proteção contra raios UVA, UVB, etc. Felizmente, o meu foi aprovado em todos os itens. Ao sair da loja satisfeito, pois enfim tive a certeza de que não fui enganado, ainda ouvi o balconista: "Ah, e só como informação adicional, a máquina diz que estas lentes são polarizadas!". Disto, eu tinha certeza já.
Logo que chegamos, demos de cara com uma loja que vendia óculos escuros. Aliás, vendia na verdade somente óculos escuros. Como eu estava precisando comprar um, resolvi entrar. Reparei que a loja era bem decorada e organizada e a vendedora logo se mostrou interessada em fazer um bom atendimento, o que me causou uma boa primeira impressão. Experimentei alguns e não demorou muito para encontrar um que era do jeito que queria. Caía bem no rosto, escurecia na medida em que eu achava ideal e tinha o design que eu gostava. Havia porém dois problemas: era relativamente caro e não tinha marca. Nenhuma. Nem aquelas marcas malucas que vemos por aí em tantos produtos genéricos, que parecem que foram decididas no momento da fabricação: "E aí Jorge, que marca colocamos agora neste outro tênis que fabricamos?" "Ah, sei lá, vamos escrever Naique?" "Demorou!" "E neste outro?" "Sem ideia... que tal Ultra Splash?" "Ficou legal, olhe só!"
Eu fiquei na dúvida se levava. Gastar um tanto razoável para levar algo cuja qualidade era duvidosa me deixou reticente. No fim, como tinha gostado da loja, acabei comprando. Ao sair, a vendedora ainda me disse: "Ah, esqueci de mencionar: estas lentes são polarizadas, evitando que fontes luminosas atrapalhem a visibilidade do motorista!".Será? Como eu já tinha pago e já estava de saída, não havia motivação para ele fornecer uma informação falsa. Por outro lado, como nem marca os óculos tinham, ficava difícil de acreditar.
O primeiro fato interessante que notei usando os novos óculos era que, no volante, ao se olhar os vidros das janelas laterais e traseira, eles pareciam ser formados de partes mais escuras e mais claras. Esta diferença de tonalidade não era aleatória. O padrão de claro-escuro se repetia uniformemente ao longo de cada vidro. Sem os óculos, estes mesmos vidros eram perfeitamente homogêneos. De fato, os óculos estavam de alguma forma levando a luminosidade em conta, o que interpretei como indício de que a compra tinha sido acertada.
Um segundo fato inusitado eu só percebi estes dias, o qual me motivou a escrever esta postagem. Subindo uma serra durante uma viagem, olhei de lado como de costume para admirar os mares de morros que existem por aqui, na nossa região do Rio. Ao longe, percebi um arco-íris fora do comum. Isto já tinha se repetido algumas vezes nos últimos tempos. Desta vez, devido a sua beleza diferente, resolvi fazer um comentário.
-- Nossa, que arco-íris bonito, veja só....
-- Que arco-íris? -- perguntou minha esposa.
-- Aquele, olhe lá.
-- Mas não tem nenhum arco-íris lá!
Quando tirei os óculos, puf! O arco-íris sumiu. Só então percebi que aqueles arco-íris que eu vinha vendo eram particulares. Não eram irreais, pois um arco-íris é simplesmente o produto que nos chega aos olhos de uma refração em algum meio da luz branca. No meu caso, esta refração estava ocorrendo nas lentes dos óculos, ao invés de ser nas usuais gotículas de água suspensas ao ar em dias de chuvas. Portanto, tratava-se um arco-íris legítimo, embora particular.
Creio que a felicidade possui certa analogia com isso. Existe na vida beleza que em geral é visível a todos. Porém, nem sempre a felicidade está assim tão visível. Às vezes, é necessário se usar lentes apropriadas para enxergar a sua beleza. E não se trata de se enganar: ver o lado positivo das coisas é, análogo ao arco-íris particular, tão autêntico quanto qualquer outra forma de felicidade. É como dizem: a beleza está nos olhos de quem vê.
Tocando neste assunto...
Passando pelo centro hoje, notei uma ótica que tinha um cartaz grande na frente: "Entre e teste a qualidade dos seus óculos escuros". Com a possibilidade de uma prova real da qualidade dos meus, entrei. A loja possuía uma máquina, que parecia um microscópio no qual uma luz branca atravessa a lente dos óculos sendo testados e, em alguns segundos, uma computador acoplado imprime os testes realizados, tais como proteção contra raios UVA, UVB, etc. Felizmente, o meu foi aprovado em todos os itens. Ao sair da loja satisfeito, pois enfim tive a certeza de que não fui enganado, ainda ouvi o balconista: "Ah, e só como informação adicional, a máquina diz que estas lentes são polarizadas!". Disto, eu tinha certeza já.
terça-feira, 19 de abril de 2011
Nem tudo o que reluz é ouro. Mas faz toda a diferença.
Há um tempo atrás, em outra postagem, relatei um curioso fato. As pessoas costumam achar, ao menos inconscientemente, que aqueles falando ao celular estão mais ocupados do que aqueles ao telefone fixo. Se assim não fosse, não perguntaríamos "Está podendo falar?" a alguém que nos atende ao celular -- pergunta esta que nunca fazemos quando ligamos a um telefone fixo (exceto se a voz do outro lado sinalizar que as cordas vocais do nosso interlocutor estão nas últimas).
De fato, julgamos as pessoas por pequenos detalhes, que atuam como uma espécie de mensagem subliminar que distorce a realidade. Explorando-se tal característica do comportamento humano, é possível conceber boas estratégias para aumentar a percepção de importância que alguém possui no meio social. Em particular, que nós possuímos.
Façam uma imagem mental de um colega de trabalho. Alguém que não conheçam muito bem. Pode ser aquele cara do andar de cima, com quem vira e mexe esbarramos no café ou no elevador. Pois bem: imaginem tal colega andando pelos corredores, falando alto ao celular e examinando várias folhas de papel na mão, cheias de gráficos de barras, enquanto se dirige apressado a algum lugar (uma reunião, talvez?). Respondam rápido: em uma escala de 1 a 10, quão importante é este seu colega para a empresa? Lembrem-se desta resposta antes de sair novamente da sua mesa para ir ao banheiro sem nada nas mãos e andando como se a vida já estivesse ganha. Agindo conforme o comportamento imaginado do colega, além da imagem positiva que é transmitida, o papel na mão e o andar apressado são em si úteis na atividade de ir ao banheiro.
Um dilema com o qual me deparei recentemente foi a definição do meu status no comunicador (nome corporativo para a aplicação de bate-papo; olha aí mais um exemplo de como um nome modifica todo o sentido). Se deixasse "Livre", isto pareceria sinônimo de "Sem nada útil para fazer". Se fosse "Ocupado", daria a entender que sou incompetente para trabalhar ao mesmo tempo que respondo uma simples mensagem. Portanto, o melhor status que consegui foi "Muito ocupado, mas isto não me impede de tratar de outro assunto". [Um praticante avançado deste tipo de marketing pessoal logo perceberia que o próximo passo natural é dizer ao chefe, quando este o procurar no momento em que se fala com a mãe por telefone, que está ocupado devido a um conference call com a "matriz", mas que ele pode lhe enviar uma mensagem em alguns minutos pelo comunicador...]
Tocando neste assunto...
Eu tenho inúmeros outros exemplos nos quais parecer é mais importante do que ser. Infelizmente, não poderei descrevê-los todos aqui, pois tenho outros compromissos agora. Para aqueles que são meus amigos pessoais, aviso que não adiantará me ligar no meu telefone fixo. Por nunca ter tempo de atendê-lo, terminei por desativá-lo. O celular é uma opção, mas provavelmente terão que deixar um correio de voz -- os quais sempre retorno em menos de dez minutos, entre uma atividade e outra. Garantido.
De fato, julgamos as pessoas por pequenos detalhes, que atuam como uma espécie de mensagem subliminar que distorce a realidade. Explorando-se tal característica do comportamento humano, é possível conceber boas estratégias para aumentar a percepção de importância que alguém possui no meio social. Em particular, que nós possuímos.
Façam uma imagem mental de um colega de trabalho. Alguém que não conheçam muito bem. Pode ser aquele cara do andar de cima, com quem vira e mexe esbarramos no café ou no elevador. Pois bem: imaginem tal colega andando pelos corredores, falando alto ao celular e examinando várias folhas de papel na mão, cheias de gráficos de barras, enquanto se dirige apressado a algum lugar (uma reunião, talvez?). Respondam rápido: em uma escala de 1 a 10, quão importante é este seu colega para a empresa? Lembrem-se desta resposta antes de sair novamente da sua mesa para ir ao banheiro sem nada nas mãos e andando como se a vida já estivesse ganha. Agindo conforme o comportamento imaginado do colega, além da imagem positiva que é transmitida, o papel na mão e o andar apressado são em si úteis na atividade de ir ao banheiro.
Um dilema com o qual me deparei recentemente foi a definição do meu status no comunicador (nome corporativo para a aplicação de bate-papo; olha aí mais um exemplo de como um nome modifica todo o sentido). Se deixasse "Livre", isto pareceria sinônimo de "Sem nada útil para fazer". Se fosse "Ocupado", daria a entender que sou incompetente para trabalhar ao mesmo tempo que respondo uma simples mensagem. Portanto, o melhor status que consegui foi "Muito ocupado, mas isto não me impede de tratar de outro assunto". [Um praticante avançado deste tipo de marketing pessoal logo perceberia que o próximo passo natural é dizer ao chefe, quando este o procurar no momento em que se fala com a mãe por telefone, que está ocupado devido a um conference call com a "matriz", mas que ele pode lhe enviar uma mensagem em alguns minutos pelo comunicador...]
Tocando neste assunto...
Eu tenho inúmeros outros exemplos nos quais parecer é mais importante do que ser. Infelizmente, não poderei descrevê-los todos aqui, pois tenho outros compromissos agora. Para aqueles que são meus amigos pessoais, aviso que não adiantará me ligar no meu telefone fixo. Por nunca ter tempo de atendê-lo, terminei por desativá-lo. O celular é uma opção, mas provavelmente terão que deixar um correio de voz -- os quais sempre retorno em menos de dez minutos, entre uma atividade e outra. Garantido.
quinta-feira, 14 de abril de 2011
De médico e de louco, todo mundo tem um bocado
-- Sabe qual é a maior torcida de futebol do mundo? O Botafogo.
-- Sério, como assim?
-- É comprovado: toda casa tem um fogão.
Foi por ter contado esta ingênua piada que fui chamado de maluco. O pessoal do trabalho a achou horrível, sem graça nenhuma. Até agora, confesso que ainda vejo um charme na anedota.
Depois de muitas risadas e gozações sobre a natureza da minha pseudo-piada (pseudo na opinião deles, é claro), houve um breve silêncio. Todos pararam de rir e começaram a refletir sei lá com o que. Em seguida, alguém disse em tom sério:
-- Olha, falando em maluquice, eu estava andando meio preocupado. De vez em quando, eu ia para cozinha beber água, tirava o copo do armário, enchia de água, e quando percebia estava eu já na sala, mas sem o copo e sem lembrar se eu havia de fato tomado água. Ao voltar à cozinha, descobria que eu tinha era guardado o copo dentro do armário, cheio de água. Graças a Deus, faz três dias que isto não acontece...
Depois de umas risadas, desta vez em menor grau, alguém complementou:
-- E eu? Toda vez que passava por uma cancela de veículos -- no estacionamento de supermercados, shopping centers, rotativos, etc. -- tentava usar o controle remoto da minha garagem para abri-la. Só depois de tentar várias vezes e começar a ficar irritado por ela não levantar, percebia a confusão.
As risadas escandalosas foram substituídas por leves sorrisos. Em tom de desabafo, outro tomou a palavra:
-- Estes dias, estava digitando o meu andar no elevador, quando alguém do lado me perguntou: "Por que você está digitando tantos números?". Neste momento, percebi que estava digitando no painel numérico do elevador, na verdade, a minha senha do banco.
As risadas sumiram. Os outros, um após um, contaram seus casos de devaneios. No final, voltamos todos a trabalhar. No lugar de gozações, restaram receios. Sob esta perspectiva, achar graça na piada do Botafogo pode até ser classificado como um ato genial, não? (Guardem seus comentários.)
Tocando neste assunto...
Na verdade, houve uma pessoa que não contou nenhum caso pessoal. Ao invés, ainda soltou um comentário "Vocês são todos loucos!..." baixinho antes de voltar ao trabalho. Por acaso, cinco minutos depois, procurei este tal colega para conversarmos sobre um problema. Ao chegar na sua mesa, o encontrei com headphones, dançando da cintura para cima, sentado na cadeira, enquanto digitava ao computador. Só espero que ele estava dançando no ritmo da música que estava escutando, e não naquele de uma outra música, nem muito menos fazendo movimentos aleatórios. Caso contrário, o buraco no caso dele seria muito mais embaixo.
-- Sério, como assim?
-- É comprovado: toda casa tem um fogão.
Foi por ter contado esta ingênua piada que fui chamado de maluco. O pessoal do trabalho a achou horrível, sem graça nenhuma. Até agora, confesso que ainda vejo um charme na anedota.
Depois de muitas risadas e gozações sobre a natureza da minha pseudo-piada (pseudo na opinião deles, é claro), houve um breve silêncio. Todos pararam de rir e começaram a refletir sei lá com o que. Em seguida, alguém disse em tom sério:
-- Olha, falando em maluquice, eu estava andando meio preocupado. De vez em quando, eu ia para cozinha beber água, tirava o copo do armário, enchia de água, e quando percebia estava eu já na sala, mas sem o copo e sem lembrar se eu havia de fato tomado água. Ao voltar à cozinha, descobria que eu tinha era guardado o copo dentro do armário, cheio de água. Graças a Deus, faz três dias que isto não acontece...
Depois de umas risadas, desta vez em menor grau, alguém complementou:
-- E eu? Toda vez que passava por uma cancela de veículos -- no estacionamento de supermercados, shopping centers, rotativos, etc. -- tentava usar o controle remoto da minha garagem para abri-la. Só depois de tentar várias vezes e começar a ficar irritado por ela não levantar, percebia a confusão.
As risadas escandalosas foram substituídas por leves sorrisos. Em tom de desabafo, outro tomou a palavra:
-- Estes dias, estava digitando o meu andar no elevador, quando alguém do lado me perguntou: "Por que você está digitando tantos números?". Neste momento, percebi que estava digitando no painel numérico do elevador, na verdade, a minha senha do banco.
As risadas sumiram. Os outros, um após um, contaram seus casos de devaneios. No final, voltamos todos a trabalhar. No lugar de gozações, restaram receios. Sob esta perspectiva, achar graça na piada do Botafogo pode até ser classificado como um ato genial, não? (Guardem seus comentários.)
Tocando neste assunto...
Na verdade, houve uma pessoa que não contou nenhum caso pessoal. Ao invés, ainda soltou um comentário "Vocês são todos loucos!..." baixinho antes de voltar ao trabalho. Por acaso, cinco minutos depois, procurei este tal colega para conversarmos sobre um problema. Ao chegar na sua mesa, o encontrei com headphones, dançando da cintura para cima, sentado na cadeira, enquanto digitava ao computador. Só espero que ele estava dançando no ritmo da música que estava escutando, e não naquele de uma outra música, nem muito menos fazendo movimentos aleatórios. Caso contrário, o buraco no caso dele seria muito mais embaixo.
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